Tuesday, June 28, 2011

Vanitis vanitatum et omnia vanitas

 Poucas pessoas terão contribuído para o conhecimento de latim como Albert Uderzo. O génio deste autor vê-se em muito do que nos deixou, mas em particular nos textos e personagens que produziu para toda a série Astérix. Para os conhecedores de BD há um claro com e sem Uderzo.

 Até ver, Portugal poderá ter também um com e um sem Passos Coelho. Não sou particularmente adepto das políticas que ele defende, mas tenho de confessar que os primeiros dias de governação têm contribuído para uma certa apreciação das qualidades da pessoa. Em causa pequenos sinais que têm sido enviados.

 Em primeiro lugar a constituição da equipa ministerial. Posso-me enganar redondamente, mas parece-me ser a equipa ministerial mais jovem de que há memória. Logo houve quem se viesse queixar que falta experiência, mas convenhamos, os experientes mostraram a seu tempo alguma incapacidade de levar o país para a frente. Outra preocupação foi a de chamar independentes com fartura. Sim, independentes coloridos, mas mesmo assim gente que vem de fora das máquinas partidárias. Mais que não seja, merecem o Estado-de-Graça que muitos vaticinaram não lhes ser devido.

 Entretanto, Passos Coelho foi ao seu primeiro Conselho Europeu. Não partilho do seu entusiasmo sobre os resultados, mas a verdade é que a forma como foi abafou toda a discussão sobre o que foi lá fazer. E como foi? Na TAP e apregoando que voava em turística. Logo houve quem viesse bater palmas e não faltou quem lembrasse que os membros do Governo em representação oficial não pagam bilhete na TAP. Houve ainda quem lembrasse que, por uma questão de cortesia, aquando destas viagens, os governantes são usualmente convidados a deslocarem-se para a classe executiva. E ainda houve quem perguntasse onde anda o Falcon da Força Aérea.

 No fundo o que se fazia ao questionar a medida era escamotear a mensagem que ela envia. A todos os governantes, secretários, assessores e admnistradores. Ou então ninguém quis chamar ao caso os (rebuscados) factores económicos. Ao abdicar da sua reserva em executiva, Passos Coelho permitiu à TAP vender mais cinco bilhetes numa das rotas com maior ocupação da referida classe ou que o Falcon da FAP ainda não anda sem combustível, sendo que o da TAP é comparticipado também pelos utentes.

 Já que falei de Economia,  vai para aí um burburinho por o super-ministro da Economia (e suas sub-áreas) ter pedido numa feira para que o tratassem pelo primeiro nome, ao invés do tratamento deferencial que remete para o seu cargo. O burburinho, que teve direito a ironia fatela, só se percebe num país de títulos. Face à carreira internacional do visado, compreende-se o "deslize".

  Por outro lado, o ironizador aproveitou para levantar o véu sobre a composição do elenco dos Secretários de Estado. Por algum motivo o que ele disse no Domingo não se verificou na Terça.

 Tudo isto são apenas sinais. Pessoalmente sei que vou dizer muito mal das políticas e das medidas, mas até agora a equipa e o seu líder prometem mudar as mentalidades. Não sei se vão conseguir, mas de repente sinto-me mais esperançado no Governo do que em Portugal...

Wednesday, June 15, 2011

Veni, Vidi, Vici ou porque em política há mais que um vencedor

 Sendo certo que há vários derrotados, nem todas as forças políticas se podem queixar de lhes ter corrido mal a noite.

 A primeira força política que pode reclamar uma vitória é o PCP. Não é uma grande vitória, mas a verdade é que foi a única força das que se dizem à esquerda a crescer. Um deputado, é certo, mas para um partido em morte anunciada há vários anos, conseguir nesta altura capitalizar algum descontentamento, é uma vitória. O que acaba por ser um prémio pela coerência que enquanto força política o PCP demonstra. Poucos partidos... Ou melhor dizendo, apenas outro partido com assento parlamentar se pode gabar de ser tão coerente em termos de discurso, mas a esse já lá vamos.

 Em segundo lugar no pódio dos vitoriosos encontra-se o PPD. Para quem acha que o PPD de Pedro Passos Coelho é o grande vencedor da noite, basta recuar até à maioria absoluta de Sócrates. Num momento de desgaste como aquele a que o Governo estava sujeito, não conseguir uma maioria de partido único tem de ser encarado como uma vitória insonsa. A menos que o único objectivo do PPD fosse mesmo o de tirar Sócrates a qualquer custo... No fundo, no fundo, o que este resultado nos diz é que para Portugal, Sócrates ainda foi um bocadinho menos mau que Santana Lopes!

 No topo do pódio está a força que falta. A persistência de Paulo Portas já merecia que CDS-PP significasse Centro Democrático Social - Paulo Portas. Não é um novato nestas andanças, partilhando com Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã o facto de ter uma carreira profissional antes de se lançar na política. Pela segunda vez consegue forçar o PPD a ter de olhar para ele para poder formar uma maioria parlamentar. Na primeira vez a coisa até correu bem, tendo saído ileso dos desastres Barroso e Santana. Nesta fase, em que está tudo tratado, convém relembrar as afirmações de Santana sobre a dureza negocial de Portas. Se alguém houve que a sentiu na pele foi ele. Se alguém sentiu as consequências fomos todos: convém relembrar que a ministros do CDS podem ser imputados retrocessos na Justiça e o sistema de Segurança Social em vigor.

 A distribuir as medalhas ao pódio está o vencedor do prémio Platina: Cavaco Silva. Aquele discurso de propaganda no dia de reflexão, encapotado de discurso presidencial, só revela a interpretação muito lassa que Cavaco tem do sentido democrático. Tanto como os esclarecimentos que prestou sobre umas permutas no Algarve. Para quem não era vivo, ou se esqueceu, da liberdade nos tempos do Sr. Silva primeiro-ministro, basta ver como na generalidade da imprensa a crise acabou e Portugal quase parece a Noruega do Mediterrâneo. Tal como na generalidade da imprensa em 1994...

Friday, June 10, 2011

Vae Victis, que no fundo somos todos nós.

 Esta semana foi feita de digestão. Essencialmente de digestão dos resultados eleitorais. Essa digestão foi lenta, árdua e ainda provoca alguma azia. Ou será melhor dizer, algumas azias, não provocadas no entanto pelos resultados, esperados, do escrutínio de dia 5.

 O momento é de acção e tem sido acção aquilo que temos visto. Simplesmente, como nos tem mostrado a Bélgica, por vezes não inventar é melhor do que estar sempre a estrebuchar. Dos derrotados não reza a história, mas ou muito me engano ou ainda vamos andar uns meses a ouvir dizer que "Sócrates deixou isto muito pior do que pensávamos" e outras desculpas parecidas, onde só muda o nome do culpado, que servem fundamentalmente para explicar porque, depois de enfiados os dedos, se começa a escarafunchar.

 Sócrates sai evidentemente derrotado e, contrariamente ao que se costuma fazer em política, nem sequer fez por o disfarçar. Claro que a derrota era por demais evidente para se tentar tapar com uma peneira. Não só não conseguiu o impossível (se o partido mais representado na Assembleia da República), como não conseguiu o único objectivo real que restava ao PS, impedir que PPD e CDS tivessem a maioria de deputados. No entanto o PS não é o maior derrotado da noite. De certa forma, o que aconteceu ao PS era esperado: o atrito da governação nos últimos anos era de tal forma grande que só depois da certidão de óbito ser assinada é que os abutres se aproximaram. Ou para quem não percebe bem, só depois de consumada a derrota é que apareceram os candidatos à substituição.

 Ora se o PS não foi o grande derrotado, só resta, em abono da verdade, uma força política para carregar essa medalha. Qualquer força política que se veja reduzida a metade, tem de ser uma força política derrotada. Quando essa força está no lado do espectro sem influência nas leis que vão sair nos próximos anos, então a derrota é ainda maior. Costumo dizer no meu círculo mais intímo que, politicamente, o Bloco apenas existe enquanto foco de direitos para os homossexuais e "drogas para todos", tudo o resto é fogo de vista. Com as vitórias acumuladas ao longo dos anos (despenalização do consumo de drogas e mais recentemente o alargamento do casamento a casais homossexuais) genuinamente ao Bloco apenas lhe restava a luta pela adopção, algo que dificilmente entrará num top 6 (porque seis são os partidos com assento parlamentar) das preocupações do eleitorado. Seguidamente, há uma sucessão de erros de pontaria e colagens ao PS, que não devem ficar muito longe de hara-kiri político. Quando até na semana anterior ao sufrágio, uma das principais apoiantes do BE vem a público dizer que Passos Coelho é melhor líder que Louçã, tudo o resto será apenas barulho de fundo...

 Os mais pessimistas podem no entanto incorporar ainda os cidadãos portugueses como os realmente derrotados no Domingo dia 5 de Junho. A nossa tendência para o masoquismo vem de longe e esta votação não traduz nada de novo nesse campo. No período mais escuro da nossa história recente, 45% (quase metade) dos eleitores não exerceram o seu direito. O facto de eu encarar o voto como um dever e portanto algo mais que um direito, por vezes tolda-me o espírito na avaliação deste aspecto. É o meu dever para quem ao longo da história lutou, sofreu e, em alguns casos, pagou com a vida o direito ao voto para todos. Não é um dever de esquerda, meio, direita, cima, baixo... É um dever de quem vive numa sociedade livre. Se alguém procura um bom motivo para sair de casa e fazer 1 de 16 escolhas (um de 14 partidos, voto branco ou voto nulo), olhe para quem enfrenta tanques e armas no Bahrein, para os que saíram à rua na Tunísia ou no Egipto, para os chineses presos em casa ou desaparecidos. Sim, liberdade também é poder não votar, mas tem de haver um sentido maior de viver em sociedade. Falta de escolha não seria certamente: 14 movimentos foram a votos, desses 5 têm assento no parlamento. 

 A grande crise em Portugal não será tanto económica como de valores ou mesmo de confiança, mas se a económica se resolve com dinheiro, as outras só podem mudar com os portugueses. Quando estes perceberem que a primeira se torna menos dolorosa, quando resolverem as segundas, então podemos começar a falar como país desenvolvido. Até lá, alguns oásis no Sahara são capazes de ter camelos mais civilizados...

Friday, June 3, 2011

Vote, pela sua saúde!

 O título de hoje pode soar um pouco dramático, mas como o momento está revestido de dramatismo adequa-se.

 Para os desiludidos com quem nos governa, não há só cinco opções de voto. Aliás, até se poderia dizer que uma das fontes de desilusão vem precisamente de se encarar a política como os partidos com representação parlamentar. Esses são parte importante, porque são a face mais visível do processo legislativo, mas não são a única. Os chamados pequenos partidos têm de ser considerados.

 Primeiro debrucemo-nos na designação de "pequenos" partidos. Quem a colou aos partidos sem representação parlamentar fez um péssimo serviço à democracia. Porque a democracia é a expressão, ao mesmo nível, das vontades e desejos de uma população. A menos que se estabeleçam cidadãos de primeira e de segunda, não pode haver partidos de primeira nem de segunda, por muito que isso nos desagrade. Ironicamente, até tem de haver espaço para quem acha que efectivamente deve haver cidadãos de primeira e de segunda! Portanto a designação que doravante vou assumir é a de partidos sem assento parlamentar (PSP).

 Desiludidos com a política: sendo certo que para vocês quem nos tem governado não serve, porque não lerem bem estes programas e escolherem o que mais vos agrada/menos vos desgosta? O ficarem de fora no Domingo não vos vai devolver o interesse, só vos vai acentuar o desinteresse. Saiam de casa, votem. Se não se decidem, votem branco, que nestas eleições são votos válidos, mas votem. Porque o que aí vem é demasiado importante para ficar entregue às ditaduras camufladas do costume.

 Ditaduras camufladas? Sim leram bem. Quem quiser recuar até à primeira eleição de Sócrates, a primeira maioria absoluta do PS, verá que ela só foi possível porque o estado do país depois da coligação PSD/CDS era de tal forma nefasto, que houve uma corrida a castigar esses partidos nas urnas, com o castigo a ser proporcionalmente maior, quantos mais votos cada um tinha. Como resultado, tivemos um partido a ditar as regras, a fechar-se em copas e a não negociar medidas, para que fossem o mais abrangentes possíveis, tal e qual a situação de que havíamos saído. Isto deve dar que pensar na hora de votar. Quero castigar um partido, porque me trataram mal e vou a correr votar no principal rival, ou quero votar em quem tem ideias semelhantes às minhas? Porque o risco sério que se corre é de trocarmos um ditadorzinho de algibeira por outro.

 Por mim, gosto de um parlamento onde as decisões se tomam com bases alargadas, não marginalmente maioritárias. Gostava que cada um dos 14 partidos concorrentes tivesse pelo menos um deputado. Gostava de eleições à Parlamento Europeu (maioria de votos e de partidos por paralelismo com maioria de cidadãos e países). Gostava de não ter de ouvir de estrangeiros comentários como: "mas isso de ser só um partido não é como uma ditadura?"...