Vou fazer aqui uma coisa que nunca fiz.
Republicar, na íntegra, sem grandes comentários, um texto que escrevi no
Expresso em papel. Data de 29 de dezembro de 2007. O título era "Novas
fronteiras".
"Em 2008 vai abrir-se a Caixa de Pandora no Kosovo. A
Sérvia, que viu a sua Jugoslávia repartida em seis estados, vai reagir
contra os países europeus que reconhecerem mais esta independência. Num
continente desenhado a sangue, de que os Balcãs são o mais trágico e
recente exemplo, qual o critério que torna admissível que uma Nação
passe a ser um Estado independente? Que argumento será dado ao País
Basco, à Córsega ou à Escócia para não exigirem pelo menos referendos
nacionais? Se, por vontade dos próprios países europeus, não há um
acordo geral sobre as atuais fronteiras, que autoridade sobra? Se as
ações do UÇK foram toleradas ou mesmo aplaudidas, por corresponderem a
um combate 'patriótico', qual é o último argumento contra a ETA e a
Armata Corsa?
Três possibilidades: ou, à semelhança do que
aconteceu em África, a alteração das fronteiras é assunto tabu; ou está
tudo em aberto e todas as reivindicações separatistas são legítimas; ou
considera-se que o aprofundamento e alargamento da União Europeia
permitem que as Nações sem Estado encontrem soluções originais de
autonomia. O que não é aceitável é esta falta de critério. Ou melhor,
este único critério: o que for mais conveniente em cada momento a cada
potência europeia. Se é este o caminho não seria má ideia recordar como
começaram as duas piores guerras do século XX."
Passados seis anos, leio declarações de Durão
Barroso sobre uma possível independência da Escócia e o referendo na
Crimeia. E comparo-as com a sua posição e a da maioria dos países da
União sobre a o Kosovo e o papel ativo que, dentro da NATO, tiveram na
sua independência. E concluo que o critério europeu se resume mesmo à
última hipótese de que falei no meu texto: "o que for mais conveniente
em cada momento a cada potência europeia".
Não é novidade e é um critério como outro qualquer. Só
não venham com a conversa da Constituição ucraniana (a Sérvia também tem
uma), que há mais de um mês ninguém parece, aliás, cumprir em Kiev; a
integridade territorial de cada país europeu; ou os riscos para paz de
mudanças de fronteiras. Falem de interesses estratégicos, económicos e
militares. Dos alemães, dos norte-americanos e dos russos. Há coisas
interessantes para dizer sobre esse assunto. Falem duma solução
negociada com a Ucrânia e a Rússia e como pode a Europa ajudar a
pacificar um conflito que passou os dois últimos anos a acicatar,
estando agora a colher a tempestade dos ventos que ajudou a semear. Só
não falem, por favor, de princípios, de legalidade e de direito
internacional. Só não nos continuem a tomar por parvos.
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