Monday, July 18, 2011

Os tansos do costume por José Couto Nogueira (in iOnline)

Na onda divulgadora em que tenho andado (com alguma preguiça à mistura) segue hoje texto publicado ontem no i por José Couto Nogueira. Poucos textos traduzem o meu sentimento (gosto dos actores, abomino as medidas) e poucos textos traduzem a nossa realidade e colocam à vista de todos as falácias com que somos bombardeados.

Os tansos do costume

por José Couto Nogueira, Publicado em 16 de Julho de 2011 


A ventania na esplanada é tal que Trindade se resguarda num casaco branco de gola levantada, enquanto Carmo leva constantemente a mão ao chapéu, prestes a descolar. Parece que o vento irrita os dois, mas não arredam pé.

"Gostei do Vítor Gaspar", diz Carmo en passant, como se estivesse a falar de um filme.

"Mostrou-se pouco habituado aos discursos políticos, parecia um colegial a fazer um exame. Estou farto de tipos que a sabem toda. Chegam ali, dizem duas larachas muito bem estudadas e deixam toda a gente acachapada.""Essa é boa!", retruca Trindade, mais surpreendida que aprovadora. "Gostaste da postura do menino... E também estás satisfeito com as medidas?"

"Ó Trindade, as medidas são cruéis, já toda a gente estava à espera. Mas foram explicadas ao pormenor.""Não ouvi nenhuma explicação plausível para a aflição dos recibos verdes. E ouvi uma explicação ridícula para a isenção dos juros e dividendos."

"Mas tu não podias estar satisfeita, pois claro!", Carmo irrita-se, agarra o chapéu com mais força, como se fosse o subsídio de Natal em fuga. "Nada que venha destes tipos te pode agradar..." Olha para ela, embirrento. "Não precisas de dizer, que eu já sei: os ricos nunca pagam a crise."

"E pagam?"

"Achas que toda a gente que recebe juros e tem activos financeiros é rica? Há muitos investidores que têm um pequeno rendimento das poupanças de uma vida. Reformados, velhos..."

"E esses pequenos investidores retirariam os seus investimentos se fossem penalizados com impostos, dizes tu? Faziam o quê com o dinheiro? Metiam--no debaixo do colchão?"

"Levavam-no para o estrangeiro. E retiravam-no dos bancos, que precisam dessas poupanças para emprestar às PME. Vê-se logo que não percebes nada de economia e finanças."Não se percebe se Trindade está a rir se a ranger os dentes:

"Não é preciso perceber de economia e finanças para... aliás, digo melhor, só não percebendo de economia e finanças é que se pode dizer um disparate desses."

"Ah, é um disparate? Então porquê?""Primeiro, os pequenos investidores nunca vão para o estrangeiro. Têm receio, não sabem fazê-lo. Segundo, os pequenos investidores não contam para a equação. São os grandes investidores, duas dúzias deles, que têm peso económico. Terceiro, grandes ou pequenos, porque não hão-de pagar também o pato? Têm de ser sempre os tansos do costume? Os assalariados que recebem do empregador e não podem levar a família para o estrangeiro?"

"Tansos?" Por uma vez, Carmo sorri. "Bela palavra!"

"Foi usada pelo falecido Leonardo Ferraz de Carvalho, no ''Independente''. Dizia que era um tanso fiscal porque pagava todos os impostos, sem fugir com um centavo. São aquelas pessoas que recebem das empresas contra recibo, descontam à cabeça e não têm maneira de fugir. Não fazem negociatas nem trabalhos por fora."

"Mas, ó Trindade, tem de haver medidas gravosas. Achas que não?"

"Acho que sim e estou disposta a pagar. Mas têm de pagar os que podem." Trindade suspira profundamente, como se estivesse a antever o destino cruel. "Os tipos dos recibos verdes, como eu, vão pagar imposto sobre um subsídio que não recebem. Não recebem, mas vão pagar! Ora toma lá que já almoçaste!"

"Mas Trindade, não vão pagar nada no Natal. Pagam depois, com a declaração de IRS em 2012."

"Se pagassem não comiam, não é? Ora faz lá as contas: um tipo que receba mil euros a recibos verdes desconta todos os meses 21,5 mais 26,5 por cento, ou seja, 48 por cento. Estás a acompanhar?"

Carmo encolhe os ombros, enfadado: "Estou, estou. Já me disseste isso mil vezes. E eu, quanto achas que pago?"

Agora é Trindade que encolhe os ombros: "Adelante. Em Dezembro vai pagar, segundo as minhas contas, mais 25,75 por cento. É os tais mil euros hipotéticos de subsídio, menos os 485 de salário mínimo, o que dá 515 euros, a dividir por dois... Continuas a acompanhar?"

"Sim, sim, estou a seguir."

"Então uma pessoa que ganhe mil euros a recibos verdes vai receber em Dezembro 263 euros. Não me interessa se paga antes ou depois, o seu rendimento líquido em Dezembro é de 263 euros. O que me dizes a isto?"

Carmo olha para ela a medo e tenta esboçar um sorriso: "Está bem, já percebi que este ano não me vais dar presente nenhum... Mas deixa lá que eu ofereço-te 250 gramas de fiambre magro, para comeres alguma coisinha na consoada."

Wednesday, July 13, 2011

Sobre imigrantes ilegais e a demagogia que os rodeia


 Sempre que oiço falar de como a Europa carece de oferta de emprego para todos os que lhe batem à porta, ou sempre que vejo a bonita tropa nacional-parvoísta a debitar como a malta imigrante nos anda a roubar empregos, o que me apetece dizer é algo semelhante ao que está acima.

Wednesday, July 6, 2011

Um pouco de Sá Carneiro

Palavrinhas interessantes nos dias que correm. Destacados meus.


 «Numa época em que, em certas sociedades, o poder é pertença de minorias compostas pelos detentores do grande capital e por membros da tecno-estrutura; em que, noutras sociedades, dele se apropriou uma classe burocrática que domina não só todo o aparelho de Estado como todas as estruturas económicas e sociais – ou se quer apropriar uma elite de intelectuais auto-iluminados que pretendem pôr em prática os seus dogmas e as soluções mais ou menos originais que conceberam – pergunto-me: poderão as sociais-democracias retirar o exclusivo do poder às minorias oligárquicas, promovendo a sua efectiva transferência a nível político, económico ou social, para toda a população, desde os órgãos do Estado às unidades de produção ?(...)O Programa que aprovámos mostra bem que o nosso caminho tem de consistir na construção de uma democracia real. Não basta apenas rejeitar, ainda que claramente, as via oferecidas pelo neocapitalismo e pelo neoliberalismo, por incapazes de resolverem as contradições da sociedade portuguesa e de evitarem a inflação, o desemprego, a insegurança e a alienação na sociedades que constroem. Não bastam reformas de repartição ou redistribuição de riqueza, sobretudo pela utilização da carga fiscal. Há que introduzir profundas reformas estruturais, que alterem mecanismos do poder e substituam à procura do lucro outras motivações que dinamizem a actividade económica e social. Propomo-nos, assim, construir não apenas uma simples democracia formal, burguesa, mas sim, uma autêntica democracia política, económica, social e cultural.A democracia política implica o reconhecimento da soberania popular na definição dos órgãos do poder político, na escolha dos seus titulares e na sua fiscalização e responsabilização; exige a garantia intransigente das liberdades individuais, o pluralismo efectivo a todos os níveis e o respeito das minorias; não existe se não houver alternância democrática dos partidos no poder, mediante eleições livres, com sufrágio universal, directo e secreto. A democracia económica postula a intervenção de todos na determinação dos modos e dos objectivos de produção, o predomínio do interesse público sobre os interesses privados, a intervenção do Estado na vida económica e a propriedade colectiva de determinados sectores produtivos; pressupõe ainda a intervenção dos trabalhadores na gestão das unidades de produção. A democracia social impõe que sejam assegurados efectivamente os direitos fundamentais de todos à saúde, à habitação, ao bem-estar e à segurança social; exige a abolição das distinções entre classes sociais diversas e a redistribuição dos rendimentos, pela utilização de uma fiscalidade justa e progressiva. Finalmente a democracia cultural consiste em garantir a todos a igualdade de oportunidades no acesso à educação e à cultura e no favorecimento da expressividade cultural de cada um


(in CARNEIRO, Francisco Sá, Por uma Social-Democracia Portuguesa, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1975)


(Francisco Sá Carneiro representado por Bottelho)