Monday, November 25, 2013

As Listas de Alhos com Bugalhos

Todos os anos há um momento em que os jornais ficam em pulgas para poderem publicar as listas com os resultados das escolas nos exames nacionais. Cada um publicará a sua, conforme a sua linha editorial. Para os efeitos do que se segue, vou seguir a do jornal Público referente ao ensino secundário, lista que de resto acho muito bem arranjadinha, com possibilidade de ordenar por vários campos. Claro que nisto de listas, cada jornal faz a sua com os critérios que quer. Digo isto por não ter encontrado nenhuma definição dos crtitérios ou qualquer informação quanto à fonte dos dados.

No entanto há algo em que vou divergir da imprensa. Vou-me recusar a tratar aquela lista por ranking. Um ranking implica que haja uma relação entre as entradas da lista. Conforme elas têm sido divulgadas, estas listas com escolas e resultados querem estabelecer relações que não se podem estabelecer, caso se tenha alguma honestidade intelectual.

Serve a lista do Público para demonstrar isso mesmo. A lista referida tem duas colunas muito interessantes de analisar, são elas a coluna "Valor Esperado" e a coluna "Contexto" e correspondem à "média esperada de acordo com o contexto socioeconómico da escola" e ao "contexto socioeconómico a que a escola pertence respectivamente". Não se pense no entanto que o interesse destas colunas se fica pelo título. A quantidade, e a qualidade, do número de linhas que ficam em branco para estes indicadores diz-nos imediatamente algo. A falta de informação relativa à forma como estes valores foram obtidos e a ausência das fontes para esse cálculo, também.

Uma vistoria na diagonal diz-nos imediatamente que nenhuma escola privada tem valores para estas colunas. Uma análise menos superficial diz-nos que uma escola privada dependente do Estado também não. Neste ponto chego à conclusão que os dados para preencherem estas colunas não podem ser de fonte oficial, senão o Ministério teria em sua posse os dados que permitissem preencher estas colunas. Ou não? Quanto às escolas públicas, cerca de 30 não apresentam dados e salvo erro estas são oriundas das regiões autónomas.

Estas colunas são por si o motivo pelo qual não se pode chamar honestamente a estas listas de escolas um verdadeiro ranking, porque pretendem comparar o incomparável. É como fazer uma lista de compras, colocar o preço das coisas e no fim dizer "gosto mais de pêras". Qual a relação? Pois!

Ora, para se aferir alguma qualidade no ensino e poder ir em busca de boas práticas, não basta olhar à média, especialmente num mundo em que cada vez menos o grau académico em si garante o que quer que seja. Olhemos pois para as médias efectivas e para as médias esperadas. Obviamente apenas se pode falar de escolas públicas. Há por aí escolas (plural!) que conseguem neste campo uma disparidade a rondar os +3 valores. Por outro lado há aquelas que obtêm o simétrico -3. Estas diferenças já nos começam a dar indicações sobre a qualidade do ensino praticado nestas escolas. Estas diferenças se calhar também servem para se perceber porque as escolas que não são de todos (vulgo, as privadas) não apresentam dados nas colunas em questão.

Desde há alguns tempos que a única defesa da escola-que-é-para-todos é que não tem os mesmos "ovos", não está no mesmo contexto e não tem a liberdade que as escola-só-para-alguns tem. Nomeadamente não pode escolher os seus alunos, ao contrário dos colégios que se dão ao luxo de convidar alunos mais problemáticos a mudarem-se para a escola da sua residência, não podem ir buscar os melhores onde melhor lhes convém e a sua organização, desde turmas a número de alunos por turma, é ditada por uma besta sagrada, com umas luzes (na melhor das hipóteses) do que é tentar ensinar um grupo de crianças e adolescentes. Dessa forma, estas listas não passam de listas, que tanto podem ser ordenadas por ordem alfabética, como pela ordem das médias, porque as conclusões que se podem retirar são, rigorosamente, as mesmas. Exepto para as escolas-que-são-para-todos.

Aí sim, há algo que se pode e deve estudar. A capacidade de superar espectativas e de lutar contra tudo o que o que tem sido feito recentemente com vista a destruir o ensino-de-todos (funções que Crato tem desempenhado como nenhum outro desde Manuela Ferreira Leite ou Couto dos Santos) tem de ser valorizada. E arrisco dizer que, tentando o impossível, com os dados que disponho, há algo do que é feito na Escola Secundária Emídeo Navarro (concelho de Almada) que confere mais valor ao seu 10,41 (+0,80) do que o 10,86 (+/- ??) do Externato Frei Luís de Sousa, isto para falar de escola a menos de um quilómetro uma da outra.

Poderia dar mais exemplos. Poderia até ver como estes exemplos se encontram no ensino básico. Deixo-o para quem tiver interesse nisso, e daí ter dado a ligação no início do texto. Pensei em terminar com um desafio a que se veja o que fazem as escolas públicas com diferenças de +2 ou mais e que isso sirva de reflexão para que que têm -2 ou menos. Se não o faço é porque vejo um Ministério da Educação mais preocupado em destruir-se a si mesmo do que em melhorar aquilo que faz. Gostava de chamar aos arquitectos deste "educocídio" incompetentes, mas a reportagem da TVI "Verdade Inconveniente" mostra que isso seria desculpar aquilo que não passa de uma atitude premeditada. Os génios que nos vendem isto não são incapazes ou incompetentes. São pessoas na plena posse das suas capacidades, e como tal o que fazem é por maldade.

Wednesday, November 20, 2013

Refrigeração Nórdica

Após a vitória da selecção de futebol de 11, em Estocolmo, frente à congénere local, Ronaldo foi elevado ao Olimpo dos heróis, e uma marca de refrigerante desceu aos Infernos.

Entre os muitos mimos que foram dirigidos à referida marca esteve o de xenófoba. Confesso que fiquei abismado com o que nestes tempos realmente preocupa as pessoas e a leviandade com que adjectivos são atirados a torto e a direito.

Assim que acabou o jogo as páginas da internet com notícias mudaram logo, e o meu facebook sofreu mais actualizações do que às vezes numa semana. No entanto não encontro com quem discutir os programas do secundário, não vejo indignação pela venda de um empresa de todos nós que pelos vistos dá lucro (os CTT), não vejo indignação por um Orçamento aprovado em notas de rodapé, nada. Dependo em grande parte do que me chega pela net, por estar longe. Podia ser mais um que partiu e simplesmente não quer saber, mas procuro e gostava de debater estes temas.

Infelizmente resta-me o Ronaldo ser o maior do mundo e arredores, e as injúrias que lhe são dirigidas. Pouco importa que o Jorge Fonseca tenha sido recentemente campeão europeu de judo, ou tantos outros heróis que ficam por cantar. Pouco importa que o sistema de ensino esteja a ser demolido. Pouco importa que se venda uma empresa que podia amenizar o assalto que fazem aos bolsos de todos. Enquanto for assim sinto que merecemos tudo o que nos fazem e muito mais, pobres coitados entretidos entre a falta de pão e o excesso de circo.

Saturday, November 9, 2013

Pseudo-Escritoras, Ronaldo e os cãezinhos.

A não questão Margarida Rebelo Pinto consegue surpreender-me na proporção inversa à qualidade da escrita da visada. Não percebo, genuinamente não percebo, a indignação sobre o que ela disse. Fosse ela uma autora do calibre de uma Sophia, uma Natália, uma Alice Vieira, aí sim haveria espaço para se discutir o que queria dizer, poderia até haver espaço à indignação, mas não, ela não tem a qualidade das autoras que referi, não tem a capacidade de intervenção das mesmas, não domina as palavras como elas, não merece sequer que eu a compare com essas monstras da literatura. O que se passou foi um não caso!

Ou então é apenas a rede social que eu tenho. Se me sinto forçado a contribuir para a campanha de publicidade gratuita ao mais recente desperdício de papel que a supra citada conseguiu pôr à venda, é apenas porque a indignação na minha rede social está de tal forma elevada que me levou a indignar com a indignação. A coisa está no ponto de um humorista ser considerado herói nacional por ter mandado a referida à merda! No entanto, vi muito pouca, para não dizer nenhuma, indignação quando o assunto foi uma reportagem da TVI sobre o que este governo anda a desfazer no campo da educação. Ou ainda menos quando saíu uma notícia a relatar que, por despacho governamental, as empresas de transportes teriam de acabar com os descontos para idosos e crianças. E a lista podia continuar! O que importa nisto tudo é indignarmo-nos porque a rainha das cronistas do boçal e do banal teve um comentário boçal e banal. O único motivo de indinação na questão Rebelo Pinto é se ela não pagou à RTP para poder fazer aquele número viral para promover as vendas do seu novo genocídio arbóreo. Se pagou, então nem espaço à indignação há, se não pagou, espero ver em breve escritores à séria no mesmo espaço...

Relativamente às cortinas de fumo, alguém percebeu porque o Orçamento de Estado 2014, que perpetua as medidas de sempre, não foi enviado para o Tribunal Constitucional? Ou será que estava tudo demasiado ocupado a indignar-se com a opinião do Blatter sobre o Ronaldo, ou com a nova lei dos animais de estimação? Toda a gente com um mínimo de dois neurónios funcionais percebeu, quando a lei transpirou para a imprensa, que não passava de uma cortina de fumo que, com indignação ou não, nunca, mas nunca, veria a luz do dia. No entanto todos se indignaram e arrancaram cabelos e rasgaram vestes porque os amigos dos animais corriam o risco de por lei só poderem ter dois canitos em casa. Sobre o orçamento nem uma palavra.

Ronaldo e Blatter, Margarida Rebelo Pinto e os cãezinhos, gatinhos e periquitos não passam das cortinas de fumo que falei no comentário anterior. Um país que se indigna com isto e aceita passivamente tudo o que lhe fazem, merece todos os Passos Coelhos deste mundo e arredores. E consegue que eu diga com tristeza que Portugal de facto não é a Grécia...

Thursday, October 31, 2013

Lia e Raquel e as Brumas que se levantam

"Se perguntarmos à imaginação de Jacob por quem servia, responderá que por Raquel. Mas se fizermos a mesma pergunta a Labão, que sabe o que é, e o que há-de ser, dirá com toda a certeza que serve por Lia. E assim foi. Servis por quem servis, não por quem cuidais." Padre António Vieira, Sermão do Mandato

Tenho andado à procura de forças para escrever sobre as propostas para o Orçamento de Estado 2014. Tenho andado à procura de forças mas não as encontro. O vazio de poder que há em Portugal é sufocante. Temos um Presidente que, mais do que o profissional circense (sem querer ofender tal actividade) que insinuaram que é, se revela o morto-vivo que nas ruas lhe chamam. Infelizmente dou comigo a pensar como seria bom não haver presidente, se calhar podíamos ter um rei à moda da Dinamarca, uma jarra bonita para levar em viagens ao estrangeiro, mas do qual se espera rigorosamente nada, no que a decisões políticas diz respeito. Aliás, está legalmente proíbido de as fazer! Sempre se poupavam uns cobres com as eleições a cada cinco anos, com o acumular de motoristas e escritórios e pensões de miséria (daquelas de 10 000 euros que não chegam para despesas) e o efeito prático era o mesmo. Exepto quando dá sinais de vida. Porque o nosso Presidente, de tão activo que é, precisa de dar prova de vida de vez em quando. Desta vez foi para dizer que tinha de pesar os custos de mandar o OE para o Tribunal Constitucional. Tudo porque o TC tem tido a ousadia de dizer que os OE que o governo do nosso Presidente fez tinham coisas que iam contra a Constituição. Como é mais do que expectável que o mesmo aconteça (pelo terceiro ano consecutivo), o Presidente já tem de pesar os custos.

Costuma-se dizer que à primeira todos caem, à segunda cai quem quer e à terceira caem os parvos. O nosso Presidente é, ao abrigo deste aforisma, parvo. Não há como fugir, é parvo. É parvo porque caiu uma, caiu duas e deixou-se numa posição em que cai uma terceira. Não há volta a dar. Se fosse vagamente parecido com uma figura neutra, após o segundo chumbo pelo TC de um orçamento, isto tinha ido tudo para eleições, onde ou a emergência nacional era tal que os lambões lá tinham a sua maioria para nos recolocarem (ainda mais) ao nível dos direitos do século XIX, ou então... Só que esse tipo de acção não se pode esperar de um homem que se relacionou e confia em altos quadros do BPN e da SLN e a forma como encobre toda a sua relação com estas entidades fala mais alto do que uma declaração escrita. Nascer duas vezes, pois! Acresce que o povo que nele votou é parvo também. Parvo, ou masoquista, porque foram quatro as vezes. Caríssimos, merecem tudo, mas mesmo tudo, o que vos acontece e o muito mais que está para vir!

Entretanto parece que os partidos da coligação se entretêm a mandar nevoeiro para não se falar muito do OE. Acho bem! Já viram se a malta dos cãezinhos e dos periquitos se mobiliza para defender os direitos das pessoas? Ou se os defensores da lei da co-adopção se preocupam com algo mais do que as fraldas? Já imaginaram mesmo uma sociedade em que nos preocupamos primeiro com as pessoas, seres humanos, o próximo apenas por ser o próximo? Tenho para mim que o programa da troika se arriscava a não ser o sucesso estrondoso que está a ser.

Sim, o sucesso, não ensandeci por ter dedicado umas linhas a esse insane D. Sebastião dos Algarves que meio país endeusa. Refiro-me ao sucesso porque a troika não veio para corrigir desequilíbrios, não veio para nos dar a justiça que não tinhamos, não veio para reduzir o desemprego, baixar o défice e outras baboseiras que para aí se pensam e dizem à boca cheia. E chegados aqui, chamo a citação do Padre António Vieira à conversa.

Confesso que a retirei um pouco de contexto, mas a explicação é tão válida para o amor, como para a troika. Caríssimos, diz-nos Vieira que não sofremos ou trabalhamos para aquilo que Pedro Passos Labão (ou ladrão, ou lambão, cada um leia o que entender) e que Labão Portas (mesmo parêntesis anterior) nos dizem. Essa Raquel, para a podermos sequer sonhar, teremos de trabalhar mais sete anos e sempre de borla. A Lia que nos prometem, após sete anos a trabalhar à borla é mais feia e não é aquela que nós queremos. Acontece que ao contrário da Bíblia, Lia não nos dá descanso para termos Raquel e Labão nunca gosta do que fazemos. Assim trabalhamos até aos 70, e mais além, para que Labão e Lia usufruam do nosso suor. É isso a que chamam Reforma do Estado. Li o capítulo 1.1 e perante o Guião para Perpetuação da Mentira e da Água Sacudida, não consegui ler mais. Por outro lado, como alguém já afirmou, se o que tem sido feito nos últimos tempos, com reformulação de RSI, para quem nem sequer todos os miseráveis usufruam dele, com redução de professores, de médicos, quadros qualificados, subsídio de desemprego, etc, não é reformar o Estado, então eu tenho medo, e todos devíamos ter, do que ali está contido. No fundo, pode ser apenas mais fumo que lança, para esquecer mais um orçamento que o não devia ser e que desta vez o vai ser em todo o seu esplendor!

Monday, September 30, 2013

Rescaldo eleitoral

Fazer leituras nacionais de eleições locais é claramente um acto que serve mais para massajar o ego de quem tem aqui o seu espaço vitorioso. Ou pelo menos assim devia ser. O facto de castigarmos o partido e nos afastarmos das pessoas e propostas, diz mais da cegueira que nos tolda e do nosso analfabetismo político do que qualquer conversa que possamos ter ou tratados que escrevamos. No fundo, esse tipo de clubismo e anti-clubismo explicam em grande medida porque chegámos ao que chegámos.

Nas autárquicas vota-se frequentemente numa cara conhecida, no sentido de mais próxima e muitas vezes partilhando os mesmos problemas. Ao contrário das legislativas, em que as caras em quem votamos são camufladas por uma grande figura nacional, nestas eleições escolhemos os principais responsáveis pelas pequenas coisas do dia-a-dia, desde o buraco nas ruas, até em alguns casos a primeira linha de acção contra as agruras que nos chovem de patamares mais altos da governação, gente como nós, na medida do possível. Este impacto e a sua importância são quanto mais importantes, quanto menos urbana for a autarquia em questão.

A proximidade não traz só vantagens. Pela sua proximidade esta gente como nós encontra-se também muito mais exposta à conversa de café e a um escrutínio mesquinho, a roçar o calunioso, que se diz de uma boca para um ouvido enquanto se bebe uma bica. Muitos desses casos de "diz que disse" ficam-se por essa mesma mesa de café, motivados mais pelas nossas invejas e frustações do que por um qualquer conhecimento real. Mesmo os casos mais motivados por tricas partidárias e a conquista dos votos flutuantes da freguesia, raramente têm consequências mais graves do que fazer esse voto flutuar ou chocar o estrangeiro (e aqui estrangeiro é o de fora da freguesia) que os ouve.

Alguns casos no entanto são mais fundados do que outros e acabam nas barras dos tribunais. Ora, com um conjunto de leis que favorece claramente quem tem tempo e dinheiro para deixar os processos arrastarem-se (daqui segue um caloroso abraço a todos os governos e deputados que têm tornado isto possível), a única coisa que é surpreendente é que algum autarca seja de facto condenado na barra dos tribunais. Menos provável ainda quando o autarca em cause dispôs de tempo para acumular o suficiente, em géneros e influências, para que o processo se arraste mesmo.

Ora este autarca hipotético não o é, ele existe, chama-se Isaltino Morais e, apesar do tempo que demorou, acabou mesmo por ser preso. Penso que o facto de Isaltino ter conseguido vencer um sistema construído para seu proveito, deve ter pesado sobremaneira nos eleitores de Oeiras que o escolheram para os próximos quatro anos. Sim, apesar de preso, Isaltino continuará a mandar e isso ficou bem patente ontem, desde os presentes no comício de vitória, em vários cartazes para as juntas de freguesia quem aparece ao lado dos candidatos à freguesia é Isaltino e o salão de festas da candidatura foi a prisão da Carregueira. Nem o candidato que deu a cara pelo presidiário escondeu o orgulho que era suceder a um condenado. Orgulho!

Na verdade estou em choque. Neste momento sei como se sentem os milhões de italianos que se recusam a votar Berlusconi e passam a vida a levar com a criatura. Quer dizer, no caso Isaltino nem sequer o contentor de recursos que pôde usar, e que em muitos casos levam a que haja pelo meio um juíz que anula todo o processo, o salvaram de ir passar uns tempos à Carregueira. Ou seja, a malta de Oeiras escolheu conscientemente ser governada por um criminoso. Mais grave, não é um criminoso do género "atropelou uma velhinha", é um criminoso cuja natureza dos crimes fazem com que um cargo de responsabilidade pública seja a última coisa que se lhe recomenda.

A originalidade da escolha de Oeiras leva-me a crer que Vale e Azevedo apenas não será o próximo tesoureiro municipal devido ao conflito de interesses com as actividades do presidente de facto. Já quanto aos envolvidos no caso Casa Pia, penso que os serviços de acompanhamento de menores estão prontos a acolhê-los como técnicos.

Falei ali em cima de italianos. Não foi totalmente inocente. A principal vitória da noite de ontem não pertenceu a qualquer força política, ela pertenceu a Portugal. Por uma vez encontramo-nos na vanguarda de algo: os italianos olham agora para nós e vêem o seu futuro. Um país em que apenas metade vai a votos e mesmo esses para elegerem o condenado com um cadastro que menos o recomenda para o cargo. Valha-nos o resto do país!

Wednesday, August 21, 2013

De Lapas e Sanguessugas

Para quem ainda desconhece a data, e tenho-me cruzado com várias pessoas que o desconhecem, dia 29 de Setembro há eleições autárquicas. Consideradas compreensivelmente como a face mais próxima da política, há quem veja nelas uma certa aura que as diferencia da "distante" política nacional. Claro que em ano de eleições, as primeiras em que vigora a limitação de mandatos, surgiu logo a oportunidade de se ver que essa diferença não poderia estar mais longe da realidade.

Chamei aqui, com a limitação de mandatos, a lei 46/2005, uma lei de dois artigos e três parágrafos. Ainda se pode pensar que o português empregue assume aquela forma de legalês que precisa de um lápis, um caderno de anotações e uma noite em branco para ser decifrado, mas, aos meus olhos de leigo, dificilmente poderia ser mais acessível e mais simples. Passo pois a transcrever o texto da mesma, para quem não quis seguir a ligação acima:


Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto
Estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais


A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais
1—O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
2—O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.
3—No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia.


Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006.

Seguem-se as datas de aprovação, promulgação e referendo. 

Enquanto escrevo estas linha a página do parlamento não me permite aceder ao Diário da Assembleia da República do terceiro trimestre de 2005, por forma a ver o que foi debatido e quem votou (e como) a supra-citada lei.

Ora, reconhecendo na lei um certo paralelismo com a limitação de mandatos do Presidente da República (que salvo erro está consagrada na Constituição), qualquer destas figuras, que a voz corrente trata por dinossauros autárquicos, iria para casa gozar a sua sabática e voltaria daí a quatro anos, se tal desejasse. Só que tal não foi o desejo de muitos! Encorajados pelos aparelhos partidários, vai de concorrer à câmara do lado. Quando os tribunais ameaçaram bloquear à partida estas candidaturas, mais uma vez os aparelhos dos partidos acorreram em massa, garantindo mundos e fundos e recursos até que a decisão dos tribunais se assemelhasse a algo mais de acordo com o interesse em ocupar um cargo público ad eternum.

Pelos vistos a língua portuguesa, mais do que um acordo ortográfico, necessita de chegar a acordo sobre o que as palavras querem dizer. Digo-o porque houve juízes que validaram candidaturas que violam os princípios que eu interpreto nesta lei. Pode ser que seja preciso ver as palavras à luz do "espírito da lei". Ora esta lei não foi feita para que se incentivasse a renovação da classe política? Ora esta lei não existe para que seja mais fácil a todos terem acesso, mesmo que em teoria, à possibilidade de exercerem um cargo público? Dessa forma, como pode haver, quer lendo a letra, quer tendo em conta o espírito da lei, um juíz que valide candidaturas de candidatos que violam esta lei?

Torna-se difícil fazer aqui uma defesa da nossa justiça e de quem a deve aplicar! Um juíz que complica uma lei tão simples, para lá de levantar suspeitas quanto ao seu engajamento político, presta um mau serviço à justiça. Esta lei existe para que caras novas e/ou ideias novas surjam. No limite da desilusão, serve a presente lei para que um cidadão se ofereça a si mesmo um mês ou um mandato de inocência, um tempo em que haja a ilusão de que "estes são diferentes".

Diferença essa que um autarca que acede a este mecanismo não se esforça por esbater. Tão mau como o juíz que o valida é o autarca que recorre a este expediente. O autarca que a tal recorre revela a sua personalidade de lapa, uma criatura tão agarrada ao lugar que recorre a todos os expedientes para lá ficar. Um autarca que recorre a estes expedientes é uma sanguessuga, pronta a chupar os recursos em seu redor para massajar um ego e/ou encher umas contas bancárias. Os portugueses que votarem nesta gente são cúmplices dos seus crimes futuros, e moralmente condenáveis por o fazerem. Podem ter o direito, mas não têm qualquer réstia de moral para vir reclamar depois, isto porque votaram plenamente conscientes do que esses candidatos tinham para oferecer: uma constante busca pelo buraco legal e a deturpação da lei, para proveito próprio.

Friday, August 16, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 3/3

A terminar o comentário ao mês de Julho, seguem umas palavras sobre o mais mal amado de todos os ministros. Falo é claro de Álvaro Santos Pereira, o homem que me fez concordar com uma crónica do Henrique Raposo que não aborda o Benfica.

De certa forma os crimes de Álvaro prendem-se com palavras irrevogavelmente ditas, daí que seja agora uma boa altura para os relembrar, mas não sem antes notar que todos os elogios que se lhe façam nesta altura soarão a epitáfio. Aliás, basta ver como aqueles que indirectamente o trucidaram enquanto ministro e lhe esvaziaram as competências para realizar com sucesso a sua tarefa, se apressaram a elogiar o trabalho desenvolvido. Como sou daqueles que sempre disse que podia até não concordar com as políticas, mas que gostava mais do homem do que de todo o restante executivo, não me sinto a fazer um elogio fúnebre à pessoa. Talvez à política portuguesa, mas essa, como alguns dos seus representantes, já morreu tantas vezes que fica sempre a dúvida se não terá um poucoxinho de zombie.

O primeiro crime de Álvaro terá sido, logo nos primeiros dias, o ter abdicado do título de ministro no tratamento com os seus colaboradores. Num país de engenheiros de domingo e equivalentes doutores, facilmente se percebe o porquê. A sensação clara que fica é que a partir do momento em que Álvaro, membro de um governo que tem como função vincar bem fundo na sociedade portuguesa a existência de duas classes sociais (os que tudo-têm e os que tudo-lhes-falta), arriscou um trato de informalidade, em que abdicou das vénias, abdicou de ser um iluminado para se colocar ao mesmo nível da sua equipa, então Álvaro tornou-se um perigoso revolucionário que teria de ser abatido.

Talvez por isso, qualquer coisa que Álvaro disesse teria de ser alvo de chacota. Veja-se o segundo pecado capital de Álvaro: querer que Portugal criasse uma imagem forte que pudesse vender. Aliás, a ideia de Álvaro é tão inovadora que só quem nunca saiu da sua gruta ou da sua toca não lhe reconhece o valor. Para os que estão nesta situação explico que por entre os três países em que já vivi, e os outros dois ou três que visito regularmente, nunca me faltou ninguém que desconhecesse as tapas ou as paellas espanholas, a moussaka dos gregos, as pastas e as pizzas italianas, os vinhos franceses, as salsichas e as cervejas alemãs, as versões americanas de quase tudo o anterior, enfim, cada país arranjou algo que exportou como a sua imagem, que serve como identidade na altura de criar uma associação entre um produto e o país e que lucra com as pessoas que voam para esses países para experimentarem o "original". Eu, que não percebo nada de marketing, percebi o que ele queria dizer e aplaudo. O coro de críticos que se levantou contra o "pastel do Álvaro" é o equivalente dos que, quando lhes apontam a Lua, comentam o dedo que aponta.

Para lá do que disse, Álvaro também cometeu o pecado de manifestar emoções, em particular boa disposição de espírito. Falo, como se devem recordar, do episódio do Borda de Água. Esse terá sido o momento em que o destino de Álvaro ficou selado. Rir-se de um colega ministro, enxovalhado, como que a validar o enxovalhamento, é crime capital neste governo de gente séria (ou não houvessem ligações várias a contratos lesivos para o Estado e à SLN, passe a redundância).

Álvaro Santos Pereira, mostrou, ao longo dos seus anos, vários crimes capitais de quem está desligado do mercado português. Quiz atacar as rendas estabelecidas, não alinhou no bajulamento indígena, tem uma ideia de como crescer para fora, e não ficar confortavelmente no seu sofá e revelou um traço de humanidade raro em governantes (só isso justifica que o video da risota tenha sido viral). Felizmente agora temos um ministro da Economia que não padece de nenhum dos males e fará vir a nós o Quinto Império. Graças a Deus!

Thursday, August 15, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 2/3

Se um regime republicano não precisa de ser necessariamente democrático, daí que o comportamento de Papá Aníbal não mereça mais do que repúdio, já as palavras da segunda figura do Estado, pela natureza do órgão a que preside, merecem algo mais. Sei que o Palácio de São Bento não é tratado oficialmente como a casa da Democracia, e que em tempos o partido único se reunia para sessões de conversa, mas havendo um sentimento que neste momento aquele palácio é algo de diferente do clube de debate da união nacional, seria bom que quem preside aos debates que aí decorrem, tivesse mais tento na língua, ou no mínimo que pensasse um bocadinho no que diz e a quem o diz.

A pobre reformada (desde os 42 anos) que preside às reuniões que aí decorrem ficou muito incomodada com a população que se manifestava nas galerias (alguns pela suas reformas e o tempo que tiveram de descontar para as ter), perturbando os trabalhos. Vai daí, à costumeira ordem de evacuar as galerias, cumprida de forma pacífica por manifestantes e autoridades, acrescentou um citação de Simone de Beauvoir ("Não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus costumes").

A conversa da madame, que antecede a citação, já não era nada famosa, dando a entender que por se manifestarem em demasia, os cidadãos poderiam perder o direito a aceder às galerias, donde podem ver os seus representantes a representarem-nos (e deixo aqui em aberto a quem se referem os pronomes). Comparar o mesmos cidadãos, que os elegeram "para não ter medo" (palavras da madame), a carrascos, mesmo ignorando que os carrascos de Beauvoir eram nazis, fica um bocado mal, para não dizer que é descabido.

O descabimento ocorre de várias formas. Em primeiro lugar, é descabido porque como se pode ver pela propaganda televisiva estival, o nosso de jure ainda pode ir para a sua praia predilecta sem correr o risco que lhe atirem uma alforreca, uma cuspidela (já o de facto alegadamente não podia dizer o mesmo) ou mesmo um calhau. Aliás, de acordo com a propaganda, até há quem saúde entusiaticamente o de jure. Nenhum dos membros do actual governo tem problemas de maior, e mesmo episódios como o cerco ao Parlamento, de tempos não muito distantes, constituem mais matéria para livros de história e relatos de outras paragens. Cenas como a de Madrid ou Atenas estão longe de ser comparadas com os arrufos de pedras em S. Bento, ou com as grandoladas e assobiadelas. Estranhos carrascos estes...

Por outro lado, a acrescentar ao descabimento, há o ficar mal. Quando se vê a forma como ao longo dos tempos, gente como ela usou e abusou das leis que naquela casa se vota(ra)m (no caso dos reformaos, quantos têm uma reforma de 5000 euros, aos 42 anos de idade, com apenas dez anos de serviço, por exemplo) fica a questão de quem tem explorado quem e quem abusa de quem.

Há no entanto uma interpretação que poucos fizeram. A madame estava no fundo a dirigir-se aos deputados querendo falar para aqueles que eles representam! Penso ser essa a interpretação correcta, porque a irrevogáveis palavras da segunda figura do Estados caíram no esquecimento mais depressa do que um dinossauro autárquico do PSD concorre a uma câmara de um concelho adjacente (com mais uma vez uma lei a protegê-lo)!

Os carrascos de Beauvoir estavam perfeitamente identificados. Sabendo nós da natureza do que se passa na "Casa da Democracia", estaria a madame de S. Bento a falar para as galerias ou para o hemiciclo?

Wednesday, August 14, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 1/3

Ando a marinar este comentário há uns tempos. Inicialmente era para ser um compêndio de frases, do calibre de "se um sem-abrigo aguenta, porque é que os outros não aguentam" (não é bem uma citação de Fernando Ulrich, mas passa a ideia). No final acaba por ser um comentário ao mês de Julho, com poucas referências a palavras e mais a gestos que se tiveram e não tiveram.

Torna-se um exercício de adivinhação saber como Julho de 2013 será relembrado. Em parte porque poucos se lebram já de quem queria ir mais além do que a troika, de quem acha que se um sem-abrigo aguenta não ter nada, todos devem aguentar, quem acha que o nojo da política é ter participado em operações num banco privado que custou já aos contribuintes portugueses perto de 10 000 000 0000 (dez mil milhões) de euros.

É difícil saber o futuro, mas Julho de 2013 ficou indelevelmente marcado por uma série de acontecimentos que não deveriam ser esquecidos. O mais marcante terá sido a pequena guerra pessoal que Paulo Portas e Cavaco Silva, esses amigos de longa data, travaram. Consoante a leitura pessoal de cada um, assim será o vencedor, afinal em política todos ganham. Já o derrotado, e sendo certo que para cada vencedor tem de haver um vencido, também é em duplicado. Quem sai derrotado é a democracia portuguesa e a opinião que os portugueses têm da política (quando se pensa que não pode piorar, há sempre alguém que o consegue... e desta vez nem foram os jotinhas!).

Como catalizador para este sururu foi a demissão do Primeiro-Ministro de facto, Vítor Gaspar, que o fez deixando como lembrança uma bonita carta onde assume o falhanço a toda linha da orientação do Governo e das medidas tomadas. Até aqui apenas verdades de La Palice. Acrescentou ainda que estas são erradas, e esta constatação, vinda de um dos papagaios de serviço da comissão liquidatária do País, deveria ter sido bem mais explorada no mês que se seguiu, senão pela auto-intitulada oposição, pelo menos pela comunicação social. Só que depois das entradas e do prato principal, faltava ainda a sobremesa. No caso da carta, trata-se de insinuar o que só o mais emperdenido (por cegueira ou necessidade) larajinha ainda não percebeu: o primeiro-ministro de jure não passa de um fantoche, com alguém a manobrá-lo e desprovido de qualquer pensamento próprio e capacidades de liderança. Em Portugal isto passa usualmente por virtudes muito apreciadas, daí ficar a dúvida se a insinuação foi um insulto ou um elogio.

O que se passou no entanto foi que o de jure decidiu dar um ar de sua graça. Face ao reconhecimento, pelo génio que a traduzia, de que a sua linha orientadora havia falhado e as políticas seguidas estavam erradas, decidiu-se ele dar posse a quem pudesse garantir a sua continuaç
Ando a marinar este comentário há uns tempos. Inicialmente era para ser um compêndio de frases, do calibre de "se um sem-abrigo aguenta, porque é que os outros não aguentam" (não é bem uma citação de Fernando Ulrich, mas passa a ideia). No final acaba por ser um comentário ao mês de Julho, com poucas referências a palavras e mais a gestos que se tiveram e não tiveram.

Torna-se um exercício de adivinhação saber como Julho de 2013 será relembrado. Em parte porque poucos se lebram já de quem queria ir mais além do que a troika, de quem acha que se um sem-abrigo aguenta não ter nada, todos devem aguentar, quem acha que o nojo da política é ter participado em operações num banco privado que custou já aos contribuintes portugueses perto de 10 000 000 0000 (dez mil milhões) de euros.

É difícil saber o futuro, mas Julho de 2013 ficou indelevelmente marcado por uma série de acontecimentos que não deveriam ser esquecidos. O mais marcante terá sido a pequena guerra pessoal que Paulo Portas e Cavaco Silva, esses amigos de longa data, travaram. Consoante a leitura pessoal de cada um, assim será o vencedor, afinal em política todos ganham. Já o derrotado, e sendo certo que para vencedor tem de haver um vencido, também é em duplicado. Quem sai derrotado é a democracia portuguesa e a opinião que os portugueses têm da política (quanto se pensa que não pode piorar, há sempre alguém que o consegue... e desta vez nem foram os jotinhas!).

Como catalizador para este sururu foi a demissão do Primeiro-Ministro de facto, Vítor Gaspar, que o fez deixando como lembrança uma bonita carta onde assume o falhanço a toda linha da orientação do Governo e das medidas tomadas. Até aqui apenas verdades de La Palice. Acrescentou ainda que estas são erradas, e esta constatação, vinda de um dos papagaios de serviço da comissão liquidatária do País, deveria ter sido bem mais explorada no mês que se seguiu, senão pela auto-intitulada oposição, pelo menos pela comunicação social. Só que depois das entradas e do prato principal, faltava ainda a sobremesa. No caso da carta, trata-se de insinuar o que só o mais emperdenido (por cegueira ou necessidade) larajinha ainda não percebeu: o primeiro-ministro de jure não passa de um fantoche, com alguém a manobrá-lo e desprovido de qualquer pensamento próprio e capacidades de liderança. Em Portugal isto passa usualmente por virtudes muito apreciadas, daí ficar a dúvida se a insinuação foi um insulto ou um elogio.

O que se passou no entanto foi que o de jure decidiu dar um ar de sua graça. Face ao reconhecimento, pelo génio que a traduzia, de que a sua linha orientadora havia falhado e as políticas seguidas estavam erradas, decidiu-se em dar posse, para substituir o de facto, a alguém que pudesse continuar as políticas. Irritado com o ostracismo a que fora votado, o líder da oposição-no-governo decidiu demitir-se do seu cargo de ministro. Neste ponto começa aquilo que, dependo de se ser pobrezinho ou apenas brincar aos pobrezinhos, pode ser visto como uma farsa ou uma comédia. O de jure, provavelmente a mando do Papá Aníbal recusa-se a aceitar a irrevogável demissão do seu ignorado parceiro de coligação.

Aqui introduz-se a figura de Papá Aníbal, reconhecido criador de coelhos, um homem que, ao fim de quarenta anos de democracia apenas esteve em cargos de responsabilidade durante vinte, e que se assume como não político. (O falhanço das políticas de educação reflecte-se mais no facto de haver uma larga maioria que ainda acredita nesta cantiga, do que em resultados de exames.) Só que para não-político tem muito a ensinar de como fazer política aos coelhinhos do seu laranjal, mesmo no seu estado de pré-demência (ou amnésia profunda, conforme se queiram interpretar as suas lembranças sobre agricultura e mar). Por exemplo, no mesmo dia em que dá posse a um novo ministro, assiste à demissão de outro e age como se fosse tudo normal. Para ele até era, na volta, face à história de amizade que une Papá Aníbal e o neo-demissionário.


Aqui impõem-se um momento de reflexão, para que se perceba onde não está a democracia. Aquando das últimas eleições, os portugueses foram chamados a votar num programa eleitoral (se o fizeram ou não pertence ao reino do sucesso das políticas de educação). Dessas eleições resultaram um executivo em coligação e um programa de governo elaborado pelo primeiro. Um dos elementos desse executivo demitiu-se, meses depois de ter elaborado esse pedido (deve ter trabalhado à base de chicote no tempo intermédio), reconhecendo que as medidas tomadas e o rumo seguido se encontravam errados. Ou seja, face aos resultados práticos na vida dos portugueses, face ao descontentamento generalizado na sociedade e também na coligação governativa, o que o Papá Aníbal achou foi que não valia a pena perguntar aos portugueses se queriam continuar neste barco. A responsabilidade e a bondade de Papá Aníbal para com quem o rodeia, só precisa de ser avaliada quando se olha para a malta da SLN e as dificuldades por que passam.

Entretanto o de jure propôs uma reformulação total do barco. Vendo o que se escondia nessa irrevogável decisão, Papá Aníbal disse que não a aceitava, apelando a um sentido de responsabilidade e de forma alguma por qualquer sentimento vindicativo, e que se queriam mudar dessa forma que se entendessem com o terceiro partido que assinara o memorando, o partido do governo-na-oposição.

Se estava engraçadote, interessante ficou. O líder do partido da oposição-no-governo, caso as conversas corressem bem, ficaria enfraquecido de uma forma que poderia ser letal para o seu partido. Por outro lado o líder do partido do governo-na-oposição tem um perfil em todo semelhante ao do de jure, com igual, chamemos-lhe, espinha dorsal. Essa postura de espinha dorsal revela-se por aceitar as negociações sobre uma premissa inválida, e a quebra das mesmas assim que os seus papás acordaram da sesta em que se encontram, para lhe puxar as orelhas.

Para quem estranhou a questão da validade da premissa, será interessante que compare os últimos anos de políticas com o que se encontrava no memorando original. Quem ainda achar depois disso que o partido do governo-na-oposição ainda se encontra amarrado ao que quer que seja, so pode, lá está, demonstrar mais inequivocamente do que qualquer exame do secundário, o falhanço do ensino em Portugal.

Ora, regressado das Selvagens para junto dos selvagens, Papá Aníbal, que tinha a certeza de estar tudo a correr bem, acaba por dar posse ao governo que havia, uma semana antes, considerado uma má solução. Depois da traulitada dada na Democracia, nada como uma machadada de incoerência para sublinhar a sua opinião sobre esse aborrecimento que são as eleições. Não que devêssemos estar surpreendidos do homem que está perfeitamente "identificado e integrado no regime", aquele que vigorava na década de 50/60. Não sejamos no entanto muito duros com esse pensionista. Com os seus míseros 20 ordenados mínimos por mês o coitado deve perder noites e noites a saber como vai pagar a renda, o passe, as contas, os livros dos miúdos e todas as outras despesas com que os remediados como ele lutam. Ou isso, ou está-se simplesmente a cagar!

Sunday, June 16, 2013

Citações - O Outono do Patriarca

"(...)ao mesmo tempo que ouvia, meio adormecido na rede, as razões sempre iguais do embaixador Streimberg, que lhe tinha oferecido uma corneta acústica igual à do cão da voz do dono com um dispositivo eléctrico de amplificação, para que ele pudesse ouvir uma vez mais a pretensão insistente de levar as nossas águas territoriais à conta das amortizações da dívida externa e ele repetia o mesmo de sempre que nem por sombras, meu caro Stevenson, tudo menos o mar, desligava o audiofone eléctrico para não continuar a ouvir aquele vozeirão de criatura metálica que parecia voltar o disco para lhe explicar outra vez o que tanto me tinham explicado os meus próprios peritos sem rodeios de dicionário, que estamos completamente de tanga, meu general, esgotámos os nossos últimos recursos, sangrados pela necessidade secular de aceitar empréstimos para pagar as amortizações da dívida externa desde as guerras da independência e depois outros empréstimos para pagar os juros das amortizações atrasadas, sempre em troca de qualquer coisa, meu general primeiro o monopólio do cauchu e do cacau para os Holandeses, depois a concessão do caminho-de-ferro dos páramos e da navegação fluvial para os Alemães, e tudo para os gringos pelos acordos secretos que ele não conheceu senão depois do derrube de estrépito e da morte pública de José Ignazio Saenz de la Barra (...), não nos restava nada, senhor general, mas ele tinha ouvido dizer o mesmo a todos os seus ministros do Tesouro desde os tempos difíceis em que declarara a moratória dos compromissos contraídos com os banqueiros de Hamburgo, a esquadra alemã tinha bloqueado o porto, um couraçado inglês disparou um tiro de canhão de aviso que abriu uma brecha na torre da catedral, mas ele gritou que caguei para o rei de Londres, antes mortos do que vendidos, gritou, morra o Kaiser, salvo no instante final pelos bons ofícios do seu cúmplice de dominó, o embaixador Charles W. Traxler, cujo Governo se constituiu garante dos compromissos europeus em troca de um direito de exploração vitalícia do nosso subsolo, e desde essa altura estamos como estamos a dever as próprias cuecas que temos vestidas, meu general, mas ele acompanhava até às escadas o eterno embaixador das cinco e despedia-se dele com uma palmadinha no ombro, nem por sombras meu caro Baxter, antes morto do que sem mar (...)"
Gabriel García Márquez, in O Outono do Patriarca

Wednesday, May 29, 2013

Interregno para Benfiquices

A equipa vencedora do campeonato nacional e a segunda classificada têm algo em comum. Ambos os seus treinadores vêem os seus contratos acabar e, até onde se sabe, nem renovaram com os actuais ocupantes do cargo, nem anunciaram quem os substitui. A julgar pela agitação na imprensa (e aqui apenas tenho acesso a sites), apenas um desses clubes parece padecer desse mal. Como me dizia alguém recentemente, com uma imprensa amansada e bem treinada, tudo fica mais fácil.

Quando iniciei este espaço de comentário tinha-me prometido a mim mesmo tentar não falar de futebol ao nível de clubes. É daqueles exercícios que se revestem de uma certa futilidade, em particular quando se fala de Portugal e especialmente quando nos encontramos entalados entre a combatividade dos ingleses e o rigor dos alemães. Só que o final de época decepcionante do Benfica, clube pelo qual nutro algum gosto, levou-me a ter de dizer umas palavras sobre o assunto. Nada de importante no entanto, porque a julgar pelos autocarros de comentários sobre o assunto que se multiplicaram desde domingo, não é preciso nenhuma habilitação superior a ter-se uma boca, para que a nossa opinião seja motivo de primeiras páginas. Não aspiro a tanto, mas como tenho uma boca, porque não dizer umas palavras?

Acompanhar o campeonato principal de futebol na década de 90 e ali o primeiro par e anos do novo século, foi assistir à maior mentira desportiva, se não da história do desporto, pelo menos da sua manifestação local. Claro que para a história fica quem ganhou, e quem ganhou passou anos a receber indevidamente dinheirinho da UEFA e a alimentar um regionalismo bacoco e parolo. É verdade, nem no capítulo de regionalismos conseguimos ser originais ou levar a coisa a sério (a primeira ainda mal, a segunda ainda bem, para que não restem dúvidas). A juntar a isto, uma espécie de insanidade tomava conta do único clube que dava ares de ainda tentar segurar as calças. Confesso que com os autocarros de jogadores que entravam e saíam da Fornalha da Luz (como carinhosamente era apelidada A Catedral nessa década, pelo efeito que tinha em jogadores e treinadores) me é difícil lembrar de todos os nomes, mas quando os doentes da bola com que me dou se juntam, ainda conseguimos desfilar nomes par afazer duas equipas. Imagino que o número total deve dar para fazer um campeonato à parte...

Em 2006 ficou demonstrado o quão brandos nós somos. Com o caso do Calciocaos vimos clubes italianos históricos relegados para campeonatos inferiores, multas, começo de provas com pontos negativos, um fartote. Quando o Apito Dourado rebentou, com muito menos provas do que no caso italiano, houve um que se lixou, apesar de muitos serem mencionados, e um em particular vir à baila repetidamente pela figura do seu monarca.

Entre culpas próprias e alheias, dificilmente quem cresceu neste ambiente poderia ficar furioso com o perder, em duas semanas é certo, três das quatro provas em que se encontrava inscrito (isto claro, na perspectiva de que a Europa é "uma" prova). No entanto algo mudou nos tempos recentes. Não foram as arbitragens a melhorar, como o campeonato 2011/2012 e de certa forma este 2012/2013 mostraram, só que a premissa de abertura sobre a imprensa arruma logo todo o debate que possa haver sobre o relevo dado a isso. O principal factor que mudou foi a forma como a equipa aborda o jogo. Depois de vinte anos a ser empurrados para baixo o normal seria entrar em campo derrotados à partida. Era assim na época dos autocarros de jogadores e de treinadores chamuscados (um deles recém campeão europeu), equipas moles que à primeira adversidade desmoronavam. 

Por muito que me custe, por não gostar particularmente da pessoa e achar que apresenta algum espaço para melhorar o planeamento das equipas, a principal mudança foi o treinador. Não me lembro de ver, nem no Benfica de Mourinho, ou do primeiro Camacho, um Benfica que jogasse como este joga. Que num número impressionante de jogos se desse ao luxo de dar um de avanço para depois virar o jogo, que a cada penálti não assinalado, a cada expulsão indevida, a cada entrada assassina sofrida respondesse com futebol. Não deixa de ser curioso que o Benfica tenha perdido tudo, quando se preocupou em defender o que tinha em vez de procurar mais. Confesso também que, pese a falta de resultados palpáveis, este Benfica é o que mais olha nos olhos o seu principal rival senão note-se como no jogo da Luz recuperou por duas vezes de uma desvantagem para assumir o controlo do jogo, e no jogo do Dragão, instantes antes do momento do Kelvin, os adeptos mais entusiasmados eram os da equipa visitante. Depois veja-se aquilo que partir desta época, apesar de ser bem patente noutros anos e mesmo contra a outra equipa com vontade de ganhar titulos, eu passarei a chamar de Efeito Académica (ou Pedro Emanuel, ainda não decidi bem). No jogo da Luz defendeu com onze jogadores dentro da área, não esboçando sequer vontade de marcar um golo, no jogo em casa com o Porto, algumas semanas depois, jogou bem aberto, para que os jogadores do Porto não tivessem problemas em arranjar espaço para os brindarem com uns quantos golos. Também para sublinhar as dificuldades está o Efeito dos Parzinhos, ou de como um par de jogadores do Estoril, e um par de jogadores do Guimarães, no final da época mudaram de clube...

Sejamos francos, para poder chegar ao fim da época a lutar lado a lado pelo campeonato, o Benfica teve de jogar o triplo da concorrência, e o triplo porque teve de enfrentar adversários que lhe colocavam mais dificuldades, uma época mais longa na Europa, um época mais longa na Taça, e para a Taça da Liga apenas fez menos um jogo (que na altura em que ocorreu parece ter ganho um prestígio muito maior do que teve nos anos anteriores). Com tudo isto, só na final da Taça de Portugal é que os onze bonecos em campo não mereceram envergar a camisola do clube.

Tal como Portugal dificilmente teria chegado à final do Euro se não fosse o Scolari, dificilmente o Benfica teria tipo oportunidade de chorar estas três provas se não fosse Jorge Jesus. Posso, como disse acima, não gostar dele, mas a verdade é que ele conseguiu colocar em campo um equipa que joga um futebol que nos faz esquecer os cabazes de fruta e nos faz acreditar que conseguimos vencer apesar do adormecimento que o café com leite provoca. Foi uma época frustrada, sim, a primeira com Jesus ao leme com zero títulos, só que eu gostava de ver se a equipa e o treinador perceberam que quando o dobro não chega, tem de se jogar o triplo, se perceberam que os jogos não acabam enquanto o árbitro não disser e que sem golos, muitos golos, não se ganham jogos. Posso não gostar de Jesus, mas quero ver se aprendeu alguma coisa este ano.

PS - Valendo o que vale, caso Jesus se vá juntar ao Papa, gostava de o ver substituído por alguém do seguinte lote: Paulo Fonseca (Paços), Mitchell van der Gaag (Belenenses), Rui Vitória (Vitória) ou Pedro Martins (Marítimo).

PPS - Costumo dizer que a grandeza de um clube mede-se pelos seus adversários. Quando os vencedores se preocupam nos seus festejos em nos insultar, ou há (pseudo-)rivais mais emocionados pelas nossas derrotas do que pelas vitórias do clube deles, estamos conversados quanto à grandeza!

Thursday, May 23, 2013

Citações - Martim Neves, Raquel Varela e o pronto-a-vestir da luta de classes

Tomei conhecimento do nome de Martim Neves através das inúmeras partilhas nas redes sociais do "jovem de 16 anos que cala doutorada". O coro de vozes que se levanta contra a doutorada em causa é o mesmo que eleva o jovem à categoria de herói nacional. Como vivemos tempos em que ter uma carreira académica, ou a ela aspirar, parece ser um crime de lesa pátria, procuro dar o menos tempo de antena possível a quem a tal se dedica, quer por ideologia, quer por inveja.
No caso de Martim Neves e Raquel Varela, e por achar que estamos perante um daqueles momentos em que têm os dois razão, pecando o comentário da Raquel por estar deslocado, acho que merecem destaque as palavras do Daniel Oliveira no seu blog do Expresso, e que transcrevo abaixo, mantendo os destacados originais.

Martim Neves, Raquel Varela e o pronto-a-vestir da luta de classes

 Martim Neves é um miúdo de 16 anos. Aos 15 anos, desenhava umas roupas e resolveu fazer-se à vida. Pediu às "raparigas mais giras" da escola para as usarem e assim promover o seu trabalho. Depois a coisa correu bem e acabou por pedir a uma fábrica que o fizesse. Já exporta o que faz. Até aqui, o Martim só merecia aplauso. Até aqui e depois disto. Porque a única coisa que vi no "Prós & Contras" de segunda-feira foi um miúdo empenhado, com genica, a querer viver da sua criatividade e do seu trabalho. Não vi um chico esperto, um arrivista, alguém que espezinha os outros para subir na vida. Vi alguém que quer fazer o que gosta e faz por isso. Nada sei sobre ele. Ninguém ali sabia. Logo, o que interessa é o que se viu: um miúdo articulado, despachado, esperto e empenhado.
A historiadora Raquel Varela (que, para que fique a declaração de interesses, conheço há uns bons anos e de quem, apesar de muitas e antigas divergências políticas, gosto muito pessoalmente) achou que aquele era o momento ideal para explicar os fundamentos da exploração. Perguntou se ele sabia quanto recebiam os trabalhadores chineses que lhe faziam a roupa. Azar: a roupa era feita numa fábrica portuguesa. Depois perguntou se ele sabia quanto ganhavam os trabalhadores que as faziam, pois nas fábricas portuguesas recebe-se o salário mínimo, que, verdade indesmentível, não dá para viver com dignidade. Ele respondeu: ao menos os trabalhadores que ganham o salário mínimo não estão no desemprego. A coisa espalhou-se pelas redes sociais e o rapaz tornou-se em assunto de debate.
Com esta frase, Martim Neves, sem o saber (ou sabendo, é indiferente), atirou por terra tudo que Raquel Varela tivesse para dizer. Porque a historiadora não tinha razão? Porque o salário mínimo dá para viver? Nada disso. Raquel Varela tinha toda a razão, mas a isso já vou. Mas porque o facto de ter razão não invalida que o que Martim disse seja igualmente verdade. É mesmo melhor pouco que nada. Não é preciso fazer grande teoria sobre o assunto, porque se trata de puro bom-senso. Ter nada não é o mesmo que ter pouco. Por isso mesmo se defende a existência de um salário mínimo e todas as pessoas normais se batem pelo subsídio de desemprego. Se fosse o mesmo, nem uma nem outra coisa fariam qualquer sentido. Se não fosse melhor receber o salário mínimo do que estar desempregado a esquerda não tinha passado décadas a bater-se pelo salário mínimo. Quer é que ele seja maior.
O problema de Raquel Varela foi ter escolhido a pessoa errada para ilustrar o seu ponto de vista. Foi ter procurado num miúdo de 16 anos, com iniciativa, que não é dono de fábrica nenhuma e que em nenhum momento defendeu que o salário mínimo era decente, mais um exemplo da luta de classes. Foi, como muitas vezes acontece à esquerda (e à direita), usar a ideologia, não como o enquadramento para a sua ação política, mas como um pronto-a-vestir. Simplificou de tal forma as coisas que recebeu uma resposta igualmente simples mas muito mais eficaz.
Sim, o pouco ser melhor que nada não justifica o pouco. Porque de pouco em pouco se chega ao nada. Porque, já agora, pelo menos em Portugal, a existência do desemprego ajuda aos salários baixos. E o argumento de que mais vale pouco que nada faz o resto. Não porque seja falso. Funciona exatamente por ser verdadeiro. Se fosse falso, ninguém aceitaria pouco e preferia ficar com nada.
Cabe à política, através, por exemplo, de um salário mínimo decente, de um subsídio de desemprego que não obrigue as pessoas a aceitar trabalho quase escravo, de um Estado Social que garanta a dignidade, de uma política que promova o trabalho qualificado, impedir que esta verdade se transforme numa chantagem. Nada disto é posto em causa pelas roupas do Martim. Nem pelo facto de ter entregue as suas roupas a uma fábrica e com isso ter ajudado, à sua dimensão, a economia. Aquela que produz bens que nós compramos. Coisa que Raquel Varela quase tratou como uma forma de cumplicidade de um adolescente com a política de salários baixos. Nem sequer a sua frase, que corresponde a uma evidência, é um problema. O problema, e disso o Martim não tem qualquer culpa, é a política que usa esta verdade para aniquilar a dignidade das pessoas. O mundo estar cheio de verdades cruéis não nos impede de, como comunidade, impor outras verdades que as combatam.
O problema de alguma esquerda, que desvaloriza o papel social do Estado e o reformismo que o garantiu, é que depois se vê obrigada a encontrar em cada demonstração de ambição pessoal mais um exemplo da luta de classes, única explicação para toda a realidade. Porque não há lugar para meios-termos, não há diferença entre o Martim e o dono da cadeia de supermercados que tem lucros gigantescos enquanto mantém os seus trabalhadores abaixo do limiar da pobreza.
O problema naquele diálogo não foi o Martim. Foi a Raquel Varela, que confundiu a consciência política e a solidariedade social, que a todos é exigida, com a falta de ambição pessoal. Que confundiu o combate ao ultraliberalismo com a censura à iniciativa privada. Que tomou um miúdo com genica por um capitalista sem escrúpulos. Que tentou aplicar o seu prefabricado ideológico na primeira coisa que lhe apareceu à frente. Que confundiu o Manuel Germano com Género Humano. Que, como acontece tantas vezes ao excesso de voluntarismo ideológico (de esquerda ou de direita, de Raquel Varela e dos que viram no Martim um exemplo para saída da crise), afastou a política da vida concreta, fazendo da vida concreta uma mera ilustração da política.

Friday, May 3, 2013

Isto até está a correr tudo tão bem...


Passos Coelho afirmou hoje que ""Falhar agora seria desperdiçar os sacrifícios (...) estamos na recta final desta estratégia". A minha primeira reacção foi de sarcasticamente proferir a frase no título. Depois lembrei-me do que disse no comentário anterior. Nunca esperei foi ver a situação oficializada.

Esperar que a Presidência da República intervenha a favor dos cidadãos é como esperar que D. Sebastião apareça numa manhã de nevoeiro. Afinal isso iria contra a sua afirmação de que em 1967 se encontrava "Integrado no actual regime político", o homem de quem a PIDE "moral e politicamente nada [se] conseguiu apurar em seu desabono"

Thursday, April 25, 2013

O insucesso de Abril, o sucesso de Maio.

Hoje é 25 de Abril e a chamada casa da (chamada?) Democracia fechou-se ao demos. Claro que isso depende muito de a quem se pergunta. Se perguntarem a quem manda por lá, a resposta é que falta espaço porque está tudo cheio com alunos do básico e secundário. De louvar este apelo pela juventude e este interesse pela educação dos jovens naquilo que se quer como valores de cidadania. Claramente esta mudança de comportamento não pode estar de forma alguma associada a uma certa canção que normalmente se relembra nesta altura e que Pedro Passos Coelho catalogou como a melhor forma de se ser interrompido.
O único factor que entristece é que parece que no que se refere a programas educativos, o Governo revela uma certa falta de coordenação com a Presidente da Assembleia da República. Que progressivamente se esteja a reduzir o 25 de Abril a cravos, à Grândola e à Democracia é redutor. O cerne é mesmo o itálico.
Recentemente entabulei uma conversa com, porque hoje é 25 de Abril, uns camaradas-pá sobre as últimas legislativas. Apesar de todos votarem, foi com espanto que me olharam quando lhes lembrei que o meu boletim de voto tinha perto de quatorze escolhas. É verdade, eram mais do dobro daqueles que têm assento no edifício que hoje fecha ao povo para se proceder à endoutrinação dos jovens, no entanto a resposta invariaável é que os outros são demasiado pequenos. Ao contrário dos clubes de futebol, em que o Almada ou o Benfica tanto jogam bem como mal independentemente de eu ir ou não ao estádio, em democracia a dimensão de um partido depende mesmo de eu ir lá ou não.
Acho que hoje é importante falar nisso face ao retrocesso social que sofremos. Vozes alinhadas com o Governo dizem-nos que as coisas não correm como esperado mas não se pode comparar com a crise da década de 20 (do século XX). Vozes desalinhadas do Governo asseguram-nos que o que se passa é um falhanço a toda a linha de uma política. Ambos mentem.
Nem a coisas não correm como esperados, nem são um falhanço. Nunca foi um objectivo de quem nos impôs estas medidas dar-nos algo vagamente semelhante a autonomia, nem quem as aplicou andou por um segundo que fosse iludido quanto ao que realmente ia acontecer. O que tem sucedido, e o mais recente chumbo do Tribunal Constitucional vem confirmar, é um sucesso a toda a linha das medidas de austeridade. Desde o aumento do desemprego, aos cortes nos apoios do Estado a quem se encontra, já não em risco, mas abaixo das linhas de risco, a ausência de uma reforma da Educação que não seja mais do rearranjar a ordem das cartas, tudo o que é feito é feito com o objectivo único de nos fazer retornar à noite que antece a madrugada esperada, a véspera do dia inteiro e limpo, o retorno ao come-e-cala que quem-fala-não-come.
Tudo isto seria apenas triste, não fora esse regresso um pedido que se ouve nas ruas, que nos deu um grande português (ou um grandessíssimo), e que nos faz ouvir alguém soltar regularmente a expressão sobre outros tempos. Não foi a mentira que deu à actual maioria a sua maioria. Já antes de eleito, o actual primeiro-ministro havia dito e prometido tudo e o seu contrário. Foi uma genuína saudade do antigamente que não era assim.
Encontramo-nos à beira de celebrar quarenta anos da revolução em que o povo saiu à rua e obrigou os militares a instaurarem um regime democrático. Esse povo falhou-se a si mesmo. Fomos nós, cidadãos, quem falhou Abril e o que ele prometera, ao nos desligarmos do que com ele conquistámos e permitirmos que meninos imberbes, saídos do berçário da vida, passassem por autoridades de algo que nunca fizeram e nos impusessem a sua lei. Fomos nós que esquecemos e continuámos a tolerar que quem ao longo de um século explorou e abusou, pudesse regressar para continuar a explorar e abusar e ainda nos dizer que aguentamos o correntes abusos e muito mais. Fomos nós que falhámos o 25 de Abril e demos o triunfo póstumo ao 28 de Maio.

PS - Acho delicioso que Assunção Esteves profira a frase "as pessoas não se podem manifestar" e tenha a chamada cara podre para se manter no cargo que ocupa. Claro que isso sou eu!

Thursday, February 14, 2013

Privatizar vs Nacionalizar - Uma analogia médica

O comportamento do Estado Português relativamente às empresas estratégicas de que se quer livrar, ou já se livrou, e às entidades bancárias que teve de ajudar, ou que terá, pode ser comparado a um paciente que precisa de um transplante renal.

O nosso paciente tem dois rins, um deles saudável o outro nem por isso. Como tal o paciente é colocado numa lista de espera por um rim. Um outro problema (para lá do rim doente) é que lhe falta dinheiro para poder ser operado. Lá em casa os outros familiares todos juntos até poderiam pagar se se juntassem, mas os tempos não andam para isso. Assim sendo o nosso doente decide vender o rim bom, a preço de saldo, para que lhe seja implantado um rim com cálculos renais e uma massa que se assemelha a um tumor. 

Obviamente que isto demasiado simples. Os destrutivos do BPN (banco de forma alguma ligada a gentes do PSD e em nada beneficiado pelas tropas do PS) que o Estado ainda mantém não se podem comparar a um cancro. No caso do cancro a Medicina parece ter uma maior compreensão sobre o fenómeno e um maior sucesso no combate ao mesmo!









Wednesday, January 23, 2013

Citações - Os nossos banqueiros são de confiança?, por Nicolau Santos

Hoje transcrevo o artigo de Nicolau Santos no site do Expresso de 21 de Janeiro.


Os nossos banqueiros são de confiança?
Nicolau Santos
17:24 Segunda feira, 21 de janeiro de 2013

O título é provocatório, mas tem a ver com o facto de ter sido dito e redito que a banca portuguesa não só está sólida como nada tem a ver com o que se passa noutros países, onde os escândalos se sucedem com regularidade.
Quanto à solidez, estamos conversados. Três bancos portugueses recorreram já a ajudas estatais (BCP - 2000 milhões, BPI - 1500 milhões, Banif - 1100 milhões), sem as quais não conseguiriam cumprir os rácios exigidos pela EBA, Associação Bancária Europeia.
Quanto aos escândalos, façamos um esforço de memória. Em 2003, Tavares Moreira, presidente não executivo do CBI, é suspenso pelo Banco de Portugal de exercer funções em conselhos de administração de empresas financeiras sob a acusação de declarações falsas, manipulação e falsificação de contas (em 2006, o Ministério Público arquivou o processo).
João Rendeiro, ex-presidente do BPP, que em dezembro de 2008 pediu uma ajuda estatal de 750 milhões para salvar o banco, é acusado pela CMVM de criação de títulos fictícios, violação de deveres relativos à qualidade de informação prestada aos clientes, entre outras irregularidades graves e muito graves.
José Oliveira e Costa, ex-presidente do BPN, foi detido no final de 2008. Há dois anos que está a ser julgado por sete crimes, devido a ter criado uma contabilidade paralela num banco virtual. A fatura para os contribuintes ronda neste momento os 6000 milhões de euros.
Jorge Jardim Gonçalves, presidente do BCP, acaba de ser condenado a pagar uma coima de um milhão de euros pelo crime de manipulação de mercado, mediante a criação de offshores e falsificação de documentos. Com ele, foram condenados Filipe Pinhal, Christopher de Beck, António Rodrigues, Paulo Teixeira Pinto e Alípio Dias. Todos vão recorrer das sentenças.
O atual presidente do Banif, Jorge Tomé, é arguido num processo relativo à altura em que exerceu funções como administrador da Caixa Geral de Depósitos.
Mais recentemente o presidente do BESI, José Maria Ricciardi, e o administrador do BES, Amílcar Pires, foram constituídos arguidos na sequência de uma queixa da CMVM envolvendo a transação de ações da EDP e um alegado crime de abuso de informação privilegiada.
Finalmente, o presidente do BES, Ricardo Salgado, apressou-se a pagar os impostos devidos por dinheiro que tinha colocado no exterior sem ter sido declarado ao fisco.
Várias destas situações podem redundar em nada e alguns destes responsáveis estarem inocentes. Mas convenhamos que é preocupante o número de banqueiros portugueses que neste momento estão a contas com a justiça.
E a não ser que se considere que o Banco de Portugal e a CMVM estão contra a estabilidade do mercado, talvez seja melhor os banqueiros meterem a mão na consciência e reforçarem os seus códigos de comportamentos.
O bem mais precioso que um banco tem é a confiança dos seus clientes. Quando ela se perde, o banco está perdido. Mas a confiança nos bancos é a confiança naqueles que os dirigem. É bom que os banqueiros nacionais meditem nisso.

Tuesday, January 15, 2013

Quero, tipo, sei lá, cenas!

 O estado de espírito que se vive em Portugal ficou bem patente com outro acontecimento da semana passada. Uma marca tecnológica convida vários bloggers ligados ao mundo da moda e uma delas manifesta que entre os seus desejos se encontra uma mala da Channel. O que pareceu afectar a maior parte das pessoas pela sua futilidade e pelo preço da mesma (parece que aquilo é brinquedo para custar mais do que muitas famílias ganham por mês). Face ao sururu que gerou, a marca tecnológica correu a tirar o vídeo da net. Face a esta atitude fico a pensar que a Pêpa é uma figura de relevo na sociedade em geral, que apregoa o desapego de bens materiais e apologista ferrenha da austeridade como forma de libertação. Em suma, esta blogger de moda é mais franciscana que S. Francisco de Assis e cometeu a heresia de desejar uma mala bem cara.

 Este episódio não mereceria muitos comentários não se desse o caso de revelar uma certa tacanhez endógena. O facto de estarmos num momento dramático não impede, ou não deveria impedir, as pessoas de terem sonhos. Quando as pessoas manifestam esses desejos em termos de "gostava de comprar com o meu dinheiro" ou "seria bom conseguir juntar para comprar" acho que ainda menos há para condenar. No fundo, isto é o que a pessoa em causa disse. Só que a reacção generalizada traduz aquele espírito bem entranhado entre nós que não devemos ter ambição e devemos conformarmo-nos com as migalhas que nos vão atirando. Esse era o paradigma da educação salazarista, esse é o desejo e a vontade do actual (des)governo, esse é o pensamento de quantas e quantas alminhas por esse Portugal fora suspiram por outros tempos. Esse é o pensamento de quantos condenam os Mourinhos e os Ronaldos e vibram com as suas derrotas como se fossem vitórias pessoais. A verdadeira vitória do salazarismo está à vista. Passado tanto tempo num regime de liberdade de opinião ainda é senso comum em Portugal que a falta de ambição é virtuosa. Venderam-nos que a austeridade liberta, bem ao género Spärlichkeit macht frei e entretidos que estamos nisso condenamos os que se recusam a aceitar a miséria. 

 A título pessoal gostava de poupar para comprar um carro eléctrico, daqueles urbanos pequeninos que não têm problemas de estacionamento e em alguns parques até têm lugares especiais. Também gostava de fazer uma viagem de comboio pelos países Nórdicos. Gostava de conseguir ir a Copenhaga revisitar o Louisiana. Gostava de ir à Austrália. Gostava de comprar um computador novo, uma televisão com leitor de blu-ray e uma consola para jogar. E gostava de fazer tudo isso com o meu dinheiro (e que como a muitos outros portugueses me custa a ganhar). Gostava, e seria bom que o conseguisse fazer e não falto ao respeito a ninguém, nem demonstro menos solidariedade por o manifestar. Manifestar que gostava de o fazer não quer dizer que o faça. Enquanto que realisticamente espero de facto revisitar o Louisiana e talvez comprar um dos equipamentos de lazer, todos os outros desejos deverão ficar pelo caminho, porque tenho uma renda para pagar, preciso de comer e tenho despesas várias com transportes. Cumpridas todas estas necessidades, porque não posso decidir o que fazer com o meu dinheiro? Os bancos já se viu que o vão usar para apostas pouco claras em que o derrotado sou sempre eu (porque perco o meu dinheiro e depois levam-me os impostos), portanto bem posso usá-lo no imediato!

 Ter objectivos ajuda-nos a olhar para o amanhã de outra forma. Dá-nos vontade, ajuda-nos a encontrar motivação naquilo que fazemos. Ter objectivos dá-nos força para lutar contra marés para os obter. É verdade que para muitos o objectivo é chegar a amanhã com comida, casa e saúde. Felizmente a Pepa está para lá dessas necessidades. Ainda bem para ela. Eu também quero futilidades e não as confundo com necessidades!

PS - O título desta opinião foi inspirado entre os tiques dos vários bloggers convidados pela tecnológica (e a menina que quer ir a Tóquio apenas tinha a ganhar em frequentar as mesmas aulas de dicção do Jorge Jesus) e o clip dos Gato Fedorento que segue abaixo.

Monday, January 14, 2013

Bem pregam todos na estalagem, fazei o que eles mandam e não o que eles fazem.

 A segunda semana de 2013 foi uma semana pródiga em acontecimentos de alguma relevância, com a revelação, no dia 8, da lista de reformados em Fevereiro da Caixa Geral de Aposentações. Desta lista foi dado particular destaque à autarca pelo PCP que lidera a Câmara de Palmela. Pouco ou nenhum comentador aproveitou a notícia paralela (e sem chamadas à página de entrada) em que se menciona que o Presidente da Câmara de Loulé beneficiaria da mesma situação. A mesma, apesar de na notícia da autarca de Palmela se esquecerem de mencionar que até ao final do mandato, tal como o seu colega, apenas auferirá do salário de autarca.

 O primeiro comentário que merece ser feito é: porque é que cada uma das pessoas (quem) foi colocada em notícias separadas quando se trata da mesma situação (o quê), na mesma altura (quando), da mesma forma (como)? Ficou a faltar o "porquê", mas claramente a resposta é porque a lei permite. Posso ser um opositor da austeridade económica que neste momento amarra o país, mas o despesismo nas palavras que a imprensa em geral recorre para tratar estes dois autarcas é claramente injustificado. Ou será?

 O PCP, partido da autarca de Palmela, quando confrontado com a situação emitiu uma nota onde não explica nada nem nada justifica. Apenas aproveita para remeter para uma decisão pessoal da visada. O PSD, partido do autarca de Loulé, não emitiu qualquer nota, e questiono-me até se terá sido questionado, ou se a notícia do seu autarca também andou a ser partilhada em fúria pelas redes sociais (na altura em que escrevo o número de comentários é de 490-2 para Palmela).

 A base do que se pede a ambos não é muito diferente. Em nome da posição do seu partido, a autarca do PCP deveria manter-se no activo até se terem passado os anos necessários para pedir a reforma, afinal o seu partido é contra a lei que lhe permite reformar-se mais cedo. O que ninguém achou por bem foi em questionar o autarca do PSD por se reformar antes do limite para a reforma que o seu partido quer meter na lei e impôr a todos os portugueses.

 É curioso que duas notícias tão semelhantes andem tão separadas. Não sei se algum regulamento deontológico para a igualde de tratamento obriga a que se cumpra uma quota de notícias sobre mulheres autarcas, mas se não for isso penso que dois casos em tudo iguais serem tratados de forma tão dispar (desde a visibilidade no site aquando da publicação, ao título da própria notícia) deveriam ser tratados de forma mais igual. Pelo menos por uma questão de justiça intelectual...