Tuesday, September 30, 2014

Sobre as Directas: Costa é mesmo melhor que Seguro? (Pedro Tadeu) E agora fale (Pedro Marques Lopes)

A questão das directas entrou, por via do PS, na vida pública portuguesa. Mais pelo mediatismo do segundo partido mais votado do que por motivos históricos, uma vez que outros partidos ja haviam recorrido ao sistema de uma escolha por simpatizantes para os seus cargos (podendo haver outros exemplos, relembro que grande parte da lista do LIVRE às eleições para o Parlamento Europeu foi feita dessa forma).

No entanto a escolha de candidatos está longe de ser unânime. Por um lado é certo que é apelativo e dá um ar de ser coisa diferente. Por outro há os defeitos que Pedro Tadeu expõe no artigo que transcrevo abaixo, publicado na sua coluna de opinião no DN de dia 30 de Setembro e os problemas que Pedro Marques Lopes já havia apontado no dia 29 de Setembro, no mesmo jornal.

Costa é mesmo melhor que Seguro? (por Pedro Tadeu)
O carácter dos líderes políticos é importante? É. Mas quando essa é a única matéria que a política submete ao voto dos eleitores, então estamos perante uma fraude democrática.
Aquilo que se passou no domingo, que deixa o Partido Socialista contente, dada a elevada participação nas suas eleições primárias para primeiro-ministro, aquilo que deixa inúmeros analistas políticos a implorar repetição noutros partidos, por ser um suposto aprofundamento da participação dos cidadãos nos destinos do Estado, vai transformar-se em mais um veneno para a fé democrática do eleitorado.
Que acontecerá quando se repetirem, uma e outra vez, as escolhas abertas à população em geral do ator político mais articulado, mais convicto e mais telegénico de um mesmo e único enredo partidário? Da escolha, em suma, do melhor papagaio para cantar as ideias comuns, os projetos comuns e os programas comuns duma mesma e única organização profissional de conquista do poder? Que acontecerá quando aqueles que, generosamente, acorreram agora às assembleias de voto do PS começarem a perceber que o valor do seu ato cívico é equivalente ao da eleição da Miss Portugal - a substância está, apenas, na aparência?
E que papel restará aos militantes, sem influência real e equiparados a simpatizantes, senão o de calarem o que pensam para reforçarem o vício do carreirismo? Que lhes sobra senão catarem o vento para ficarem do lado favorável ao sopro da última brisa eleitoralista?
Depois da euforia, a inevitável frustração resultará em níveis de abstenção recordistas, não só em primárias mas também, por contágio, em legislativas. Bastam dois ciclos eleitorais. Aposto...
António Costa é melhor que António José Seguro? A maioria parece pensar que sim. É indiferente. A pergunta sufragada deveria ter sido outra: António Costa pensa melhor do que António José Seguro? A resposta, temo, acabaria por ser esta: nem pensa melhor nem pensa pior; na essência, pensa igual.
Se já é difícil encontrar diferenças programáticas (e ideológicas) entre PS, PSD e CDS (e há), escarafunchá-las dentro deste PS (um caldo programático, morno, onde se diluem Manuel Alegre e Francisco Assis) dará sempre um resultado semelhante: um líder híbrido.
Por isso mesmo, vivaço, é que António Costa se recusou a detalhar um projeto para o País, pois se o melhor que tem para dar é um programa de reabilitação urbana, um Ministério da Cultura e uma "leitura inteligente" do Tratado Orçamental, percebe que está a oferecer aos portugueses, apenas e só, mais do mesmo. Igualzinho a Seguro... mas com outro carácter, claro.

E agora fale (por Pedro Marques Lopes)
Foram as primeiras eleições primárias abertas num partido do arco governativo e foi o primeiro teste eleitoral sério, num partido sistémico, a um discurso marcadamente populista.
A boa notícia é a derrota da linha dos "interesses e política", "traições e ambições" e das "reformas do sistema político" metidas à pressão. A má é que, apesar da boa afluência e da ausência de problemas relevantes, a campanha eleitoral não teve conteúdo político e programático rigorosamente nenhum. Não passou duma penosa troca de acusações e insultos, sobretudo da responsabilidade de António José Seguro, a que, em alguns momentos, António Costa não resistiu.
Costa ganhou sem ter de apresentar uma ideia concreta ou a linha do que será a sua oposição. Bastou-lhe aparecer como o contraponto a Seguro. A possibilidade séria que os militantes e os simpatizantes pressentiram de o PS perder para Passos Coelho fez o resto.
António Costa tem de rapidamente mostrar que pode ganhar as eleições. Só isso lhe garantirá a união do partido. E tem, ainda mais depressa, de mostrar que tem mesmo um caminho alternativo. Aos militantes e aos simpatizantes bastou-lhes que aparentasse ser melhor do que Seguro, agora eles e os outros portugueses vão-lhe exigir mais. É que os portugueses pagaram demasiado caro os últimos cheques em branco.