Thursday, October 31, 2013

Lia e Raquel e as Brumas que se levantam

"Se perguntarmos à imaginação de Jacob por quem servia, responderá que por Raquel. Mas se fizermos a mesma pergunta a Labão, que sabe o que é, e o que há-de ser, dirá com toda a certeza que serve por Lia. E assim foi. Servis por quem servis, não por quem cuidais." Padre António Vieira, Sermão do Mandato

Tenho andado à procura de forças para escrever sobre as propostas para o Orçamento de Estado 2014. Tenho andado à procura de forças mas não as encontro. O vazio de poder que há em Portugal é sufocante. Temos um Presidente que, mais do que o profissional circense (sem querer ofender tal actividade) que insinuaram que é, se revela o morto-vivo que nas ruas lhe chamam. Infelizmente dou comigo a pensar como seria bom não haver presidente, se calhar podíamos ter um rei à moda da Dinamarca, uma jarra bonita para levar em viagens ao estrangeiro, mas do qual se espera rigorosamente nada, no que a decisões políticas diz respeito. Aliás, está legalmente proíbido de as fazer! Sempre se poupavam uns cobres com as eleições a cada cinco anos, com o acumular de motoristas e escritórios e pensões de miséria (daquelas de 10 000 euros que não chegam para despesas) e o efeito prático era o mesmo. Exepto quando dá sinais de vida. Porque o nosso Presidente, de tão activo que é, precisa de dar prova de vida de vez em quando. Desta vez foi para dizer que tinha de pesar os custos de mandar o OE para o Tribunal Constitucional. Tudo porque o TC tem tido a ousadia de dizer que os OE que o governo do nosso Presidente fez tinham coisas que iam contra a Constituição. Como é mais do que expectável que o mesmo aconteça (pelo terceiro ano consecutivo), o Presidente já tem de pesar os custos.

Costuma-se dizer que à primeira todos caem, à segunda cai quem quer e à terceira caem os parvos. O nosso Presidente é, ao abrigo deste aforisma, parvo. Não há como fugir, é parvo. É parvo porque caiu uma, caiu duas e deixou-se numa posição em que cai uma terceira. Não há volta a dar. Se fosse vagamente parecido com uma figura neutra, após o segundo chumbo pelo TC de um orçamento, isto tinha ido tudo para eleições, onde ou a emergência nacional era tal que os lambões lá tinham a sua maioria para nos recolocarem (ainda mais) ao nível dos direitos do século XIX, ou então... Só que esse tipo de acção não se pode esperar de um homem que se relacionou e confia em altos quadros do BPN e da SLN e a forma como encobre toda a sua relação com estas entidades fala mais alto do que uma declaração escrita. Nascer duas vezes, pois! Acresce que o povo que nele votou é parvo também. Parvo, ou masoquista, porque foram quatro as vezes. Caríssimos, merecem tudo, mas mesmo tudo, o que vos acontece e o muito mais que está para vir!

Entretanto parece que os partidos da coligação se entretêm a mandar nevoeiro para não se falar muito do OE. Acho bem! Já viram se a malta dos cãezinhos e dos periquitos se mobiliza para defender os direitos das pessoas? Ou se os defensores da lei da co-adopção se preocupam com algo mais do que as fraldas? Já imaginaram mesmo uma sociedade em que nos preocupamos primeiro com as pessoas, seres humanos, o próximo apenas por ser o próximo? Tenho para mim que o programa da troika se arriscava a não ser o sucesso estrondoso que está a ser.

Sim, o sucesso, não ensandeci por ter dedicado umas linhas a esse insane D. Sebastião dos Algarves que meio país endeusa. Refiro-me ao sucesso porque a troika não veio para corrigir desequilíbrios, não veio para nos dar a justiça que não tinhamos, não veio para reduzir o desemprego, baixar o défice e outras baboseiras que para aí se pensam e dizem à boca cheia. E chegados aqui, chamo a citação do Padre António Vieira à conversa.

Confesso que a retirei um pouco de contexto, mas a explicação é tão válida para o amor, como para a troika. Caríssimos, diz-nos Vieira que não sofremos ou trabalhamos para aquilo que Pedro Passos Labão (ou ladrão, ou lambão, cada um leia o que entender) e que Labão Portas (mesmo parêntesis anterior) nos dizem. Essa Raquel, para a podermos sequer sonhar, teremos de trabalhar mais sete anos e sempre de borla. A Lia que nos prometem, após sete anos a trabalhar à borla é mais feia e não é aquela que nós queremos. Acontece que ao contrário da Bíblia, Lia não nos dá descanso para termos Raquel e Labão nunca gosta do que fazemos. Assim trabalhamos até aos 70, e mais além, para que Labão e Lia usufruam do nosso suor. É isso a que chamam Reforma do Estado. Li o capítulo 1.1 e perante o Guião para Perpetuação da Mentira e da Água Sacudida, não consegui ler mais. Por outro lado, como alguém já afirmou, se o que tem sido feito nos últimos tempos, com reformulação de RSI, para quem nem sequer todos os miseráveis usufruam dele, com redução de professores, de médicos, quadros qualificados, subsídio de desemprego, etc, não é reformar o Estado, então eu tenho medo, e todos devíamos ter, do que ali está contido. No fundo, pode ser apenas mais fumo que lança, para esquecer mais um orçamento que o não devia ser e que desta vez o vai ser em todo o seu esplendor!