Wednesday, August 21, 2013

De Lapas e Sanguessugas

Para quem ainda desconhece a data, e tenho-me cruzado com várias pessoas que o desconhecem, dia 29 de Setembro há eleições autárquicas. Consideradas compreensivelmente como a face mais próxima da política, há quem veja nelas uma certa aura que as diferencia da "distante" política nacional. Claro que em ano de eleições, as primeiras em que vigora a limitação de mandatos, surgiu logo a oportunidade de se ver que essa diferença não poderia estar mais longe da realidade.

Chamei aqui, com a limitação de mandatos, a lei 46/2005, uma lei de dois artigos e três parágrafos. Ainda se pode pensar que o português empregue assume aquela forma de legalês que precisa de um lápis, um caderno de anotações e uma noite em branco para ser decifrado, mas, aos meus olhos de leigo, dificilmente poderia ser mais acessível e mais simples. Passo pois a transcrever o texto da mesma, para quem não quis seguir a ligação acima:


Lei n.º 46/2005, de 29 de Agosto
Estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais


A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais
1—O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
2—O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.
3—No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia.


Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2006.

Seguem-se as datas de aprovação, promulgação e referendo. 

Enquanto escrevo estas linha a página do parlamento não me permite aceder ao Diário da Assembleia da República do terceiro trimestre de 2005, por forma a ver o que foi debatido e quem votou (e como) a supra-citada lei.

Ora, reconhecendo na lei um certo paralelismo com a limitação de mandatos do Presidente da República (que salvo erro está consagrada na Constituição), qualquer destas figuras, que a voz corrente trata por dinossauros autárquicos, iria para casa gozar a sua sabática e voltaria daí a quatro anos, se tal desejasse. Só que tal não foi o desejo de muitos! Encorajados pelos aparelhos partidários, vai de concorrer à câmara do lado. Quando os tribunais ameaçaram bloquear à partida estas candidaturas, mais uma vez os aparelhos dos partidos acorreram em massa, garantindo mundos e fundos e recursos até que a decisão dos tribunais se assemelhasse a algo mais de acordo com o interesse em ocupar um cargo público ad eternum.

Pelos vistos a língua portuguesa, mais do que um acordo ortográfico, necessita de chegar a acordo sobre o que as palavras querem dizer. Digo-o porque houve juízes que validaram candidaturas que violam os princípios que eu interpreto nesta lei. Pode ser que seja preciso ver as palavras à luz do "espírito da lei". Ora esta lei não foi feita para que se incentivasse a renovação da classe política? Ora esta lei não existe para que seja mais fácil a todos terem acesso, mesmo que em teoria, à possibilidade de exercerem um cargo público? Dessa forma, como pode haver, quer lendo a letra, quer tendo em conta o espírito da lei, um juíz que valide candidaturas de candidatos que violam esta lei?

Torna-se difícil fazer aqui uma defesa da nossa justiça e de quem a deve aplicar! Um juíz que complica uma lei tão simples, para lá de levantar suspeitas quanto ao seu engajamento político, presta um mau serviço à justiça. Esta lei existe para que caras novas e/ou ideias novas surjam. No limite da desilusão, serve a presente lei para que um cidadão se ofereça a si mesmo um mês ou um mandato de inocência, um tempo em que haja a ilusão de que "estes são diferentes".

Diferença essa que um autarca que acede a este mecanismo não se esforça por esbater. Tão mau como o juíz que o valida é o autarca que recorre a este expediente. O autarca que a tal recorre revela a sua personalidade de lapa, uma criatura tão agarrada ao lugar que recorre a todos os expedientes para lá ficar. Um autarca que recorre a estes expedientes é uma sanguessuga, pronta a chupar os recursos em seu redor para massajar um ego e/ou encher umas contas bancárias. Os portugueses que votarem nesta gente são cúmplices dos seus crimes futuros, e moralmente condenáveis por o fazerem. Podem ter o direito, mas não têm qualquer réstia de moral para vir reclamar depois, isto porque votaram plenamente conscientes do que esses candidatos tinham para oferecer: uma constante busca pelo buraco legal e a deturpação da lei, para proveito próprio.

Friday, August 16, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 3/3

A terminar o comentário ao mês de Julho, seguem umas palavras sobre o mais mal amado de todos os ministros. Falo é claro de Álvaro Santos Pereira, o homem que me fez concordar com uma crónica do Henrique Raposo que não aborda o Benfica.

De certa forma os crimes de Álvaro prendem-se com palavras irrevogavelmente ditas, daí que seja agora uma boa altura para os relembrar, mas não sem antes notar que todos os elogios que se lhe façam nesta altura soarão a epitáfio. Aliás, basta ver como aqueles que indirectamente o trucidaram enquanto ministro e lhe esvaziaram as competências para realizar com sucesso a sua tarefa, se apressaram a elogiar o trabalho desenvolvido. Como sou daqueles que sempre disse que podia até não concordar com as políticas, mas que gostava mais do homem do que de todo o restante executivo, não me sinto a fazer um elogio fúnebre à pessoa. Talvez à política portuguesa, mas essa, como alguns dos seus representantes, já morreu tantas vezes que fica sempre a dúvida se não terá um poucoxinho de zombie.

O primeiro crime de Álvaro terá sido, logo nos primeiros dias, o ter abdicado do título de ministro no tratamento com os seus colaboradores. Num país de engenheiros de domingo e equivalentes doutores, facilmente se percebe o porquê. A sensação clara que fica é que a partir do momento em que Álvaro, membro de um governo que tem como função vincar bem fundo na sociedade portuguesa a existência de duas classes sociais (os que tudo-têm e os que tudo-lhes-falta), arriscou um trato de informalidade, em que abdicou das vénias, abdicou de ser um iluminado para se colocar ao mesmo nível da sua equipa, então Álvaro tornou-se um perigoso revolucionário que teria de ser abatido.

Talvez por isso, qualquer coisa que Álvaro disesse teria de ser alvo de chacota. Veja-se o segundo pecado capital de Álvaro: querer que Portugal criasse uma imagem forte que pudesse vender. Aliás, a ideia de Álvaro é tão inovadora que só quem nunca saiu da sua gruta ou da sua toca não lhe reconhece o valor. Para os que estão nesta situação explico que por entre os três países em que já vivi, e os outros dois ou três que visito regularmente, nunca me faltou ninguém que desconhecesse as tapas ou as paellas espanholas, a moussaka dos gregos, as pastas e as pizzas italianas, os vinhos franceses, as salsichas e as cervejas alemãs, as versões americanas de quase tudo o anterior, enfim, cada país arranjou algo que exportou como a sua imagem, que serve como identidade na altura de criar uma associação entre um produto e o país e que lucra com as pessoas que voam para esses países para experimentarem o "original". Eu, que não percebo nada de marketing, percebi o que ele queria dizer e aplaudo. O coro de críticos que se levantou contra o "pastel do Álvaro" é o equivalente dos que, quando lhes apontam a Lua, comentam o dedo que aponta.

Para lá do que disse, Álvaro também cometeu o pecado de manifestar emoções, em particular boa disposição de espírito. Falo, como se devem recordar, do episódio do Borda de Água. Esse terá sido o momento em que o destino de Álvaro ficou selado. Rir-se de um colega ministro, enxovalhado, como que a validar o enxovalhamento, é crime capital neste governo de gente séria (ou não houvessem ligações várias a contratos lesivos para o Estado e à SLN, passe a redundância).

Álvaro Santos Pereira, mostrou, ao longo dos seus anos, vários crimes capitais de quem está desligado do mercado português. Quiz atacar as rendas estabelecidas, não alinhou no bajulamento indígena, tem uma ideia de como crescer para fora, e não ficar confortavelmente no seu sofá e revelou um traço de humanidade raro em governantes (só isso justifica que o video da risota tenha sido viral). Felizmente agora temos um ministro da Economia que não padece de nenhum dos males e fará vir a nós o Quinto Império. Graças a Deus!

Thursday, August 15, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 2/3

Se um regime republicano não precisa de ser necessariamente democrático, daí que o comportamento de Papá Aníbal não mereça mais do que repúdio, já as palavras da segunda figura do Estado, pela natureza do órgão a que preside, merecem algo mais. Sei que o Palácio de São Bento não é tratado oficialmente como a casa da Democracia, e que em tempos o partido único se reunia para sessões de conversa, mas havendo um sentimento que neste momento aquele palácio é algo de diferente do clube de debate da união nacional, seria bom que quem preside aos debates que aí decorrem, tivesse mais tento na língua, ou no mínimo que pensasse um bocadinho no que diz e a quem o diz.

A pobre reformada (desde os 42 anos) que preside às reuniões que aí decorrem ficou muito incomodada com a população que se manifestava nas galerias (alguns pela suas reformas e o tempo que tiveram de descontar para as ter), perturbando os trabalhos. Vai daí, à costumeira ordem de evacuar as galerias, cumprida de forma pacífica por manifestantes e autoridades, acrescentou um citação de Simone de Beauvoir ("Não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus costumes").

A conversa da madame, que antecede a citação, já não era nada famosa, dando a entender que por se manifestarem em demasia, os cidadãos poderiam perder o direito a aceder às galerias, donde podem ver os seus representantes a representarem-nos (e deixo aqui em aberto a quem se referem os pronomes). Comparar o mesmos cidadãos, que os elegeram "para não ter medo" (palavras da madame), a carrascos, mesmo ignorando que os carrascos de Beauvoir eram nazis, fica um bocado mal, para não dizer que é descabido.

O descabimento ocorre de várias formas. Em primeiro lugar, é descabido porque como se pode ver pela propaganda televisiva estival, o nosso de jure ainda pode ir para a sua praia predilecta sem correr o risco que lhe atirem uma alforreca, uma cuspidela (já o de facto alegadamente não podia dizer o mesmo) ou mesmo um calhau. Aliás, de acordo com a propaganda, até há quem saúde entusiaticamente o de jure. Nenhum dos membros do actual governo tem problemas de maior, e mesmo episódios como o cerco ao Parlamento, de tempos não muito distantes, constituem mais matéria para livros de história e relatos de outras paragens. Cenas como a de Madrid ou Atenas estão longe de ser comparadas com os arrufos de pedras em S. Bento, ou com as grandoladas e assobiadelas. Estranhos carrascos estes...

Por outro lado, a acrescentar ao descabimento, há o ficar mal. Quando se vê a forma como ao longo dos tempos, gente como ela usou e abusou das leis que naquela casa se vota(ra)m (no caso dos reformaos, quantos têm uma reforma de 5000 euros, aos 42 anos de idade, com apenas dez anos de serviço, por exemplo) fica a questão de quem tem explorado quem e quem abusa de quem.

Há no entanto uma interpretação que poucos fizeram. A madame estava no fundo a dirigir-se aos deputados querendo falar para aqueles que eles representam! Penso ser essa a interpretação correcta, porque a irrevogáveis palavras da segunda figura do Estados caíram no esquecimento mais depressa do que um dinossauro autárquico do PSD concorre a uma câmara de um concelho adjacente (com mais uma vez uma lei a protegê-lo)!

Os carrascos de Beauvoir estavam perfeitamente identificados. Sabendo nós da natureza do que se passa na "Casa da Democracia", estaria a madame de S. Bento a falar para as galerias ou para o hemiciclo?

Wednesday, August 14, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 1/3

Ando a marinar este comentário há uns tempos. Inicialmente era para ser um compêndio de frases, do calibre de "se um sem-abrigo aguenta, porque é que os outros não aguentam" (não é bem uma citação de Fernando Ulrich, mas passa a ideia). No final acaba por ser um comentário ao mês de Julho, com poucas referências a palavras e mais a gestos que se tiveram e não tiveram.

Torna-se um exercício de adivinhação saber como Julho de 2013 será relembrado. Em parte porque poucos se lebram já de quem queria ir mais além do que a troika, de quem acha que se um sem-abrigo aguenta não ter nada, todos devem aguentar, quem acha que o nojo da política é ter participado em operações num banco privado que custou já aos contribuintes portugueses perto de 10 000 000 0000 (dez mil milhões) de euros.

É difícil saber o futuro, mas Julho de 2013 ficou indelevelmente marcado por uma série de acontecimentos que não deveriam ser esquecidos. O mais marcante terá sido a pequena guerra pessoal que Paulo Portas e Cavaco Silva, esses amigos de longa data, travaram. Consoante a leitura pessoal de cada um, assim será o vencedor, afinal em política todos ganham. Já o derrotado, e sendo certo que para cada vencedor tem de haver um vencido, também é em duplicado. Quem sai derrotado é a democracia portuguesa e a opinião que os portugueses têm da política (quando se pensa que não pode piorar, há sempre alguém que o consegue... e desta vez nem foram os jotinhas!).

Como catalizador para este sururu foi a demissão do Primeiro-Ministro de facto, Vítor Gaspar, que o fez deixando como lembrança uma bonita carta onde assume o falhanço a toda linha da orientação do Governo e das medidas tomadas. Até aqui apenas verdades de La Palice. Acrescentou ainda que estas são erradas, e esta constatação, vinda de um dos papagaios de serviço da comissão liquidatária do País, deveria ter sido bem mais explorada no mês que se seguiu, senão pela auto-intitulada oposição, pelo menos pela comunicação social. Só que depois das entradas e do prato principal, faltava ainda a sobremesa. No caso da carta, trata-se de insinuar o que só o mais emperdenido (por cegueira ou necessidade) larajinha ainda não percebeu: o primeiro-ministro de jure não passa de um fantoche, com alguém a manobrá-lo e desprovido de qualquer pensamento próprio e capacidades de liderança. Em Portugal isto passa usualmente por virtudes muito apreciadas, daí ficar a dúvida se a insinuação foi um insulto ou um elogio.

O que se passou no entanto foi que o de jure decidiu dar um ar de sua graça. Face ao reconhecimento, pelo génio que a traduzia, de que a sua linha orientadora havia falhado e as políticas seguidas estavam erradas, decidiu-se ele dar posse a quem pudesse garantir a sua continuaç
Ando a marinar este comentário há uns tempos. Inicialmente era para ser um compêndio de frases, do calibre de "se um sem-abrigo aguenta, porque é que os outros não aguentam" (não é bem uma citação de Fernando Ulrich, mas passa a ideia). No final acaba por ser um comentário ao mês de Julho, com poucas referências a palavras e mais a gestos que se tiveram e não tiveram.

Torna-se um exercício de adivinhação saber como Julho de 2013 será relembrado. Em parte porque poucos se lebram já de quem queria ir mais além do que a troika, de quem acha que se um sem-abrigo aguenta não ter nada, todos devem aguentar, quem acha que o nojo da política é ter participado em operações num banco privado que custou já aos contribuintes portugueses perto de 10 000 000 0000 (dez mil milhões) de euros.

É difícil saber o futuro, mas Julho de 2013 ficou indelevelmente marcado por uma série de acontecimentos que não deveriam ser esquecidos. O mais marcante terá sido a pequena guerra pessoal que Paulo Portas e Cavaco Silva, esses amigos de longa data, travaram. Consoante a leitura pessoal de cada um, assim será o vencedor, afinal em política todos ganham. Já o derrotado, e sendo certo que para vencedor tem de haver um vencido, também é em duplicado. Quem sai derrotado é a democracia portuguesa e a opinião que os portugueses têm da política (quanto se pensa que não pode piorar, há sempre alguém que o consegue... e desta vez nem foram os jotinhas!).

Como catalizador para este sururu foi a demissão do Primeiro-Ministro de facto, Vítor Gaspar, que o fez deixando como lembrança uma bonita carta onde assume o falhanço a toda linha da orientação do Governo e das medidas tomadas. Até aqui apenas verdades de La Palice. Acrescentou ainda que estas são erradas, e esta constatação, vinda de um dos papagaios de serviço da comissão liquidatária do País, deveria ter sido bem mais explorada no mês que se seguiu, senão pela auto-intitulada oposição, pelo menos pela comunicação social. Só que depois das entradas e do prato principal, faltava ainda a sobremesa. No caso da carta, trata-se de insinuar o que só o mais emperdenido (por cegueira ou necessidade) larajinha ainda não percebeu: o primeiro-ministro de jure não passa de um fantoche, com alguém a manobrá-lo e desprovido de qualquer pensamento próprio e capacidades de liderança. Em Portugal isto passa usualmente por virtudes muito apreciadas, daí ficar a dúvida se a insinuação foi um insulto ou um elogio.

O que se passou no entanto foi que o de jure decidiu dar um ar de sua graça. Face ao reconhecimento, pelo génio que a traduzia, de que a sua linha orientadora havia falhado e as políticas seguidas estavam erradas, decidiu-se em dar posse, para substituir o de facto, a alguém que pudesse continuar as políticas. Irritado com o ostracismo a que fora votado, o líder da oposição-no-governo decidiu demitir-se do seu cargo de ministro. Neste ponto começa aquilo que, dependo de se ser pobrezinho ou apenas brincar aos pobrezinhos, pode ser visto como uma farsa ou uma comédia. O de jure, provavelmente a mando do Papá Aníbal recusa-se a aceitar a irrevogável demissão do seu ignorado parceiro de coligação.

Aqui introduz-se a figura de Papá Aníbal, reconhecido criador de coelhos, um homem que, ao fim de quarenta anos de democracia apenas esteve em cargos de responsabilidade durante vinte, e que se assume como não político. (O falhanço das políticas de educação reflecte-se mais no facto de haver uma larga maioria que ainda acredita nesta cantiga, do que em resultados de exames.) Só que para não-político tem muito a ensinar de como fazer política aos coelhinhos do seu laranjal, mesmo no seu estado de pré-demência (ou amnésia profunda, conforme se queiram interpretar as suas lembranças sobre agricultura e mar). Por exemplo, no mesmo dia em que dá posse a um novo ministro, assiste à demissão de outro e age como se fosse tudo normal. Para ele até era, na volta, face à história de amizade que une Papá Aníbal e o neo-demissionário.


Aqui impõem-se um momento de reflexão, para que se perceba onde não está a democracia. Aquando das últimas eleições, os portugueses foram chamados a votar num programa eleitoral (se o fizeram ou não pertence ao reino do sucesso das políticas de educação). Dessas eleições resultaram um executivo em coligação e um programa de governo elaborado pelo primeiro. Um dos elementos desse executivo demitiu-se, meses depois de ter elaborado esse pedido (deve ter trabalhado à base de chicote no tempo intermédio), reconhecendo que as medidas tomadas e o rumo seguido se encontravam errados. Ou seja, face aos resultados práticos na vida dos portugueses, face ao descontentamento generalizado na sociedade e também na coligação governativa, o que o Papá Aníbal achou foi que não valia a pena perguntar aos portugueses se queriam continuar neste barco. A responsabilidade e a bondade de Papá Aníbal para com quem o rodeia, só precisa de ser avaliada quando se olha para a malta da SLN e as dificuldades por que passam.

Entretanto o de jure propôs uma reformulação total do barco. Vendo o que se escondia nessa irrevogável decisão, Papá Aníbal disse que não a aceitava, apelando a um sentido de responsabilidade e de forma alguma por qualquer sentimento vindicativo, e que se queriam mudar dessa forma que se entendessem com o terceiro partido que assinara o memorando, o partido do governo-na-oposição.

Se estava engraçadote, interessante ficou. O líder do partido da oposição-no-governo, caso as conversas corressem bem, ficaria enfraquecido de uma forma que poderia ser letal para o seu partido. Por outro lado o líder do partido do governo-na-oposição tem um perfil em todo semelhante ao do de jure, com igual, chamemos-lhe, espinha dorsal. Essa postura de espinha dorsal revela-se por aceitar as negociações sobre uma premissa inválida, e a quebra das mesmas assim que os seus papás acordaram da sesta em que se encontram, para lhe puxar as orelhas.

Para quem estranhou a questão da validade da premissa, será interessante que compare os últimos anos de políticas com o que se encontrava no memorando original. Quem ainda achar depois disso que o partido do governo-na-oposição ainda se encontra amarrado ao que quer que seja, so pode, lá está, demonstrar mais inequivocamente do que qualquer exame do secundário, o falhanço do ensino em Portugal.

Ora, regressado das Selvagens para junto dos selvagens, Papá Aníbal, que tinha a certeza de estar tudo a correr bem, acaba por dar posse ao governo que havia, uma semana antes, considerado uma má solução. Depois da traulitada dada na Democracia, nada como uma machadada de incoerência para sublinhar a sua opinião sobre esse aborrecimento que são as eleições. Não que devêssemos estar surpreendidos do homem que está perfeitamente "identificado e integrado no regime", aquele que vigorava na década de 50/60. Não sejamos no entanto muito duros com esse pensionista. Com os seus míseros 20 ordenados mínimos por mês o coitado deve perder noites e noites a saber como vai pagar a renda, o passe, as contas, os livros dos miúdos e todas as outras despesas com que os remediados como ele lutam. Ou isso, ou está-se simplesmente a cagar!