Wednesday, May 29, 2013

Interregno para Benfiquices

A equipa vencedora do campeonato nacional e a segunda classificada têm algo em comum. Ambos os seus treinadores vêem os seus contratos acabar e, até onde se sabe, nem renovaram com os actuais ocupantes do cargo, nem anunciaram quem os substitui. A julgar pela agitação na imprensa (e aqui apenas tenho acesso a sites), apenas um desses clubes parece padecer desse mal. Como me dizia alguém recentemente, com uma imprensa amansada e bem treinada, tudo fica mais fácil.

Quando iniciei este espaço de comentário tinha-me prometido a mim mesmo tentar não falar de futebol ao nível de clubes. É daqueles exercícios que se revestem de uma certa futilidade, em particular quando se fala de Portugal e especialmente quando nos encontramos entalados entre a combatividade dos ingleses e o rigor dos alemães. Só que o final de época decepcionante do Benfica, clube pelo qual nutro algum gosto, levou-me a ter de dizer umas palavras sobre o assunto. Nada de importante no entanto, porque a julgar pelos autocarros de comentários sobre o assunto que se multiplicaram desde domingo, não é preciso nenhuma habilitação superior a ter-se uma boca, para que a nossa opinião seja motivo de primeiras páginas. Não aspiro a tanto, mas como tenho uma boca, porque não dizer umas palavras?

Acompanhar o campeonato principal de futebol na década de 90 e ali o primeiro par e anos do novo século, foi assistir à maior mentira desportiva, se não da história do desporto, pelo menos da sua manifestação local. Claro que para a história fica quem ganhou, e quem ganhou passou anos a receber indevidamente dinheirinho da UEFA e a alimentar um regionalismo bacoco e parolo. É verdade, nem no capítulo de regionalismos conseguimos ser originais ou levar a coisa a sério (a primeira ainda mal, a segunda ainda bem, para que não restem dúvidas). A juntar a isto, uma espécie de insanidade tomava conta do único clube que dava ares de ainda tentar segurar as calças. Confesso que com os autocarros de jogadores que entravam e saíam da Fornalha da Luz (como carinhosamente era apelidada A Catedral nessa década, pelo efeito que tinha em jogadores e treinadores) me é difícil lembrar de todos os nomes, mas quando os doentes da bola com que me dou se juntam, ainda conseguimos desfilar nomes par afazer duas equipas. Imagino que o número total deve dar para fazer um campeonato à parte...

Em 2006 ficou demonstrado o quão brandos nós somos. Com o caso do Calciocaos vimos clubes italianos históricos relegados para campeonatos inferiores, multas, começo de provas com pontos negativos, um fartote. Quando o Apito Dourado rebentou, com muito menos provas do que no caso italiano, houve um que se lixou, apesar de muitos serem mencionados, e um em particular vir à baila repetidamente pela figura do seu monarca.

Entre culpas próprias e alheias, dificilmente quem cresceu neste ambiente poderia ficar furioso com o perder, em duas semanas é certo, três das quatro provas em que se encontrava inscrito (isto claro, na perspectiva de que a Europa é "uma" prova). No entanto algo mudou nos tempos recentes. Não foram as arbitragens a melhorar, como o campeonato 2011/2012 e de certa forma este 2012/2013 mostraram, só que a premissa de abertura sobre a imprensa arruma logo todo o debate que possa haver sobre o relevo dado a isso. O principal factor que mudou foi a forma como a equipa aborda o jogo. Depois de vinte anos a ser empurrados para baixo o normal seria entrar em campo derrotados à partida. Era assim na época dos autocarros de jogadores e de treinadores chamuscados (um deles recém campeão europeu), equipas moles que à primeira adversidade desmoronavam. 

Por muito que me custe, por não gostar particularmente da pessoa e achar que apresenta algum espaço para melhorar o planeamento das equipas, a principal mudança foi o treinador. Não me lembro de ver, nem no Benfica de Mourinho, ou do primeiro Camacho, um Benfica que jogasse como este joga. Que num número impressionante de jogos se desse ao luxo de dar um de avanço para depois virar o jogo, que a cada penálti não assinalado, a cada expulsão indevida, a cada entrada assassina sofrida respondesse com futebol. Não deixa de ser curioso que o Benfica tenha perdido tudo, quando se preocupou em defender o que tinha em vez de procurar mais. Confesso também que, pese a falta de resultados palpáveis, este Benfica é o que mais olha nos olhos o seu principal rival senão note-se como no jogo da Luz recuperou por duas vezes de uma desvantagem para assumir o controlo do jogo, e no jogo do Dragão, instantes antes do momento do Kelvin, os adeptos mais entusiasmados eram os da equipa visitante. Depois veja-se aquilo que partir desta época, apesar de ser bem patente noutros anos e mesmo contra a outra equipa com vontade de ganhar titulos, eu passarei a chamar de Efeito Académica (ou Pedro Emanuel, ainda não decidi bem). No jogo da Luz defendeu com onze jogadores dentro da área, não esboçando sequer vontade de marcar um golo, no jogo em casa com o Porto, algumas semanas depois, jogou bem aberto, para que os jogadores do Porto não tivessem problemas em arranjar espaço para os brindarem com uns quantos golos. Também para sublinhar as dificuldades está o Efeito dos Parzinhos, ou de como um par de jogadores do Estoril, e um par de jogadores do Guimarães, no final da época mudaram de clube...

Sejamos francos, para poder chegar ao fim da época a lutar lado a lado pelo campeonato, o Benfica teve de jogar o triplo da concorrência, e o triplo porque teve de enfrentar adversários que lhe colocavam mais dificuldades, uma época mais longa na Europa, um época mais longa na Taça, e para a Taça da Liga apenas fez menos um jogo (que na altura em que ocorreu parece ter ganho um prestígio muito maior do que teve nos anos anteriores). Com tudo isto, só na final da Taça de Portugal é que os onze bonecos em campo não mereceram envergar a camisola do clube.

Tal como Portugal dificilmente teria chegado à final do Euro se não fosse o Scolari, dificilmente o Benfica teria tipo oportunidade de chorar estas três provas se não fosse Jorge Jesus. Posso, como disse acima, não gostar dele, mas a verdade é que ele conseguiu colocar em campo um equipa que joga um futebol que nos faz esquecer os cabazes de fruta e nos faz acreditar que conseguimos vencer apesar do adormecimento que o café com leite provoca. Foi uma época frustrada, sim, a primeira com Jesus ao leme com zero títulos, só que eu gostava de ver se a equipa e o treinador perceberam que quando o dobro não chega, tem de se jogar o triplo, se perceberam que os jogos não acabam enquanto o árbitro não disser e que sem golos, muitos golos, não se ganham jogos. Posso não gostar de Jesus, mas quero ver se aprendeu alguma coisa este ano.

PS - Valendo o que vale, caso Jesus se vá juntar ao Papa, gostava de o ver substituído por alguém do seguinte lote: Paulo Fonseca (Paços), Mitchell van der Gaag (Belenenses), Rui Vitória (Vitória) ou Pedro Martins (Marítimo).

PPS - Costumo dizer que a grandeza de um clube mede-se pelos seus adversários. Quando os vencedores se preocupam nos seus festejos em nos insultar, ou há (pseudo-)rivais mais emocionados pelas nossas derrotas do que pelas vitórias do clube deles, estamos conversados quanto à grandeza!

Thursday, May 23, 2013

Citações - Martim Neves, Raquel Varela e o pronto-a-vestir da luta de classes

Tomei conhecimento do nome de Martim Neves através das inúmeras partilhas nas redes sociais do "jovem de 16 anos que cala doutorada". O coro de vozes que se levanta contra a doutorada em causa é o mesmo que eleva o jovem à categoria de herói nacional. Como vivemos tempos em que ter uma carreira académica, ou a ela aspirar, parece ser um crime de lesa pátria, procuro dar o menos tempo de antena possível a quem a tal se dedica, quer por ideologia, quer por inveja.
No caso de Martim Neves e Raquel Varela, e por achar que estamos perante um daqueles momentos em que têm os dois razão, pecando o comentário da Raquel por estar deslocado, acho que merecem destaque as palavras do Daniel Oliveira no seu blog do Expresso, e que transcrevo abaixo, mantendo os destacados originais.

Martim Neves, Raquel Varela e o pronto-a-vestir da luta de classes

 Martim Neves é um miúdo de 16 anos. Aos 15 anos, desenhava umas roupas e resolveu fazer-se à vida. Pediu às "raparigas mais giras" da escola para as usarem e assim promover o seu trabalho. Depois a coisa correu bem e acabou por pedir a uma fábrica que o fizesse. Já exporta o que faz. Até aqui, o Martim só merecia aplauso. Até aqui e depois disto. Porque a única coisa que vi no "Prós & Contras" de segunda-feira foi um miúdo empenhado, com genica, a querer viver da sua criatividade e do seu trabalho. Não vi um chico esperto, um arrivista, alguém que espezinha os outros para subir na vida. Vi alguém que quer fazer o que gosta e faz por isso. Nada sei sobre ele. Ninguém ali sabia. Logo, o que interessa é o que se viu: um miúdo articulado, despachado, esperto e empenhado.
A historiadora Raquel Varela (que, para que fique a declaração de interesses, conheço há uns bons anos e de quem, apesar de muitas e antigas divergências políticas, gosto muito pessoalmente) achou que aquele era o momento ideal para explicar os fundamentos da exploração. Perguntou se ele sabia quanto recebiam os trabalhadores chineses que lhe faziam a roupa. Azar: a roupa era feita numa fábrica portuguesa. Depois perguntou se ele sabia quanto ganhavam os trabalhadores que as faziam, pois nas fábricas portuguesas recebe-se o salário mínimo, que, verdade indesmentível, não dá para viver com dignidade. Ele respondeu: ao menos os trabalhadores que ganham o salário mínimo não estão no desemprego. A coisa espalhou-se pelas redes sociais e o rapaz tornou-se em assunto de debate.
Com esta frase, Martim Neves, sem o saber (ou sabendo, é indiferente), atirou por terra tudo que Raquel Varela tivesse para dizer. Porque a historiadora não tinha razão? Porque o salário mínimo dá para viver? Nada disso. Raquel Varela tinha toda a razão, mas a isso já vou. Mas porque o facto de ter razão não invalida que o que Martim disse seja igualmente verdade. É mesmo melhor pouco que nada. Não é preciso fazer grande teoria sobre o assunto, porque se trata de puro bom-senso. Ter nada não é o mesmo que ter pouco. Por isso mesmo se defende a existência de um salário mínimo e todas as pessoas normais se batem pelo subsídio de desemprego. Se fosse o mesmo, nem uma nem outra coisa fariam qualquer sentido. Se não fosse melhor receber o salário mínimo do que estar desempregado a esquerda não tinha passado décadas a bater-se pelo salário mínimo. Quer é que ele seja maior.
O problema de Raquel Varela foi ter escolhido a pessoa errada para ilustrar o seu ponto de vista. Foi ter procurado num miúdo de 16 anos, com iniciativa, que não é dono de fábrica nenhuma e que em nenhum momento defendeu que o salário mínimo era decente, mais um exemplo da luta de classes. Foi, como muitas vezes acontece à esquerda (e à direita), usar a ideologia, não como o enquadramento para a sua ação política, mas como um pronto-a-vestir. Simplificou de tal forma as coisas que recebeu uma resposta igualmente simples mas muito mais eficaz.
Sim, o pouco ser melhor que nada não justifica o pouco. Porque de pouco em pouco se chega ao nada. Porque, já agora, pelo menos em Portugal, a existência do desemprego ajuda aos salários baixos. E o argumento de que mais vale pouco que nada faz o resto. Não porque seja falso. Funciona exatamente por ser verdadeiro. Se fosse falso, ninguém aceitaria pouco e preferia ficar com nada.
Cabe à política, através, por exemplo, de um salário mínimo decente, de um subsídio de desemprego que não obrigue as pessoas a aceitar trabalho quase escravo, de um Estado Social que garanta a dignidade, de uma política que promova o trabalho qualificado, impedir que esta verdade se transforme numa chantagem. Nada disto é posto em causa pelas roupas do Martim. Nem pelo facto de ter entregue as suas roupas a uma fábrica e com isso ter ajudado, à sua dimensão, a economia. Aquela que produz bens que nós compramos. Coisa que Raquel Varela quase tratou como uma forma de cumplicidade de um adolescente com a política de salários baixos. Nem sequer a sua frase, que corresponde a uma evidência, é um problema. O problema, e disso o Martim não tem qualquer culpa, é a política que usa esta verdade para aniquilar a dignidade das pessoas. O mundo estar cheio de verdades cruéis não nos impede de, como comunidade, impor outras verdades que as combatam.
O problema de alguma esquerda, que desvaloriza o papel social do Estado e o reformismo que o garantiu, é que depois se vê obrigada a encontrar em cada demonstração de ambição pessoal mais um exemplo da luta de classes, única explicação para toda a realidade. Porque não há lugar para meios-termos, não há diferença entre o Martim e o dono da cadeia de supermercados que tem lucros gigantescos enquanto mantém os seus trabalhadores abaixo do limiar da pobreza.
O problema naquele diálogo não foi o Martim. Foi a Raquel Varela, que confundiu a consciência política e a solidariedade social, que a todos é exigida, com a falta de ambição pessoal. Que confundiu o combate ao ultraliberalismo com a censura à iniciativa privada. Que tomou um miúdo com genica por um capitalista sem escrúpulos. Que tentou aplicar o seu prefabricado ideológico na primeira coisa que lhe apareceu à frente. Que confundiu o Manuel Germano com Género Humano. Que, como acontece tantas vezes ao excesso de voluntarismo ideológico (de esquerda ou de direita, de Raquel Varela e dos que viram no Martim um exemplo para saída da crise), afastou a política da vida concreta, fazendo da vida concreta uma mera ilustração da política.

Friday, May 3, 2013

Isto até está a correr tudo tão bem...


Passos Coelho afirmou hoje que ""Falhar agora seria desperdiçar os sacrifícios (...) estamos na recta final desta estratégia". A minha primeira reacção foi de sarcasticamente proferir a frase no título. Depois lembrei-me do que disse no comentário anterior. Nunca esperei foi ver a situação oficializada.

Esperar que a Presidência da República intervenha a favor dos cidadãos é como esperar que D. Sebastião apareça numa manhã de nevoeiro. Afinal isso iria contra a sua afirmação de que em 1967 se encontrava "Integrado no actual regime político", o homem de quem a PIDE "moral e politicamente nada [se] conseguiu apurar em seu desabono"