Monday, September 24, 2012

Grafias.

 Eu bem sei que é uma sublime missão a do mestre: e que é uma graciosa e amoravel idade a da infancia, e poucos melhor do que Augusto possuiam presente o ideal de uma e amenisavam á outra com branduras os amargores do penoso tirocinio; - mas que importa? nem por isso é menos real o supplicio. A cultura dos espiritos é como a cultura das terras. O lavrador exulta, estremece de prazer, vendo pullular do solo, arado e semeado de pouco, os rebentos do grão que o calor fez germinar, e volverem-se as folhas, estenderem-se e enflorarem-se os ramos, penderem os fructos e colorirem-se das tintas da madureza; mas, emquanto vergado, coberto de suor, arquejante, se afadiga a arrotear o terreno duro e quem sabe se ingrato aos seus cuidados, muita vez lhe fallece o alento, e se olha de quando em quando para o céo, não é para lhe agradecer com risos os gôsos que elle lhe dá; mas para lhe pedir, com lagrimas, a fôrça que lhe mingúa.

 De igual modo, se é grato ao cultor das intelligencias o vêl-as desenvolver, florir, fructificar; ardua, improba, desesperadora é muita vez a tarefa da sua primeira educação. É mister possuir um grande thesouro de ideal, para que o suave e risonho typo, que da infancia concebemos, não se transtorne na phantasia d'estas victimas d'ella, em não sei que figura diabolica e maligna, que lhes envenena todos os momentos de alegria.

 Além d'isso, o pobre professor de instrucção primaria, sobre quem pesam os mais fastidiosos encargos da instrucção, não pode ser comparado absolutamente ao agricultor do nosso simile; é antes o jornaleiro contractado por magro salario, para, á força de braço, lavrar solo, d'onde, mais tarde, romperá a vegetação, que elle não terá de vêr e que a outros concederá os gôsos e o beneficio. Venceu tambem o humilde professor, e por o mesmo preço que o jornaleiro, que não vão mais longe com elle as liberalidades dos nossos governos, venceu as maiores cruezas do magisterio; mas não verá tambem o resultado das suas fadigas. Fogem-lhe as intelligencias, que educou, justamente quando com mais amor as devia contemplar, e, se o destino reserva a qualquer d'essas intelligencias um futuro de glorias, raro é que volvam um olhar agradecido para as humildes mãos, que as sustentaram, quando ainda não tinham azas para voar.
 Quasi todos os grandes homens commettem esta ingratidão. Falam nos seus mestres de philosophia, de mathematica, de litteratura, e não salvam do esquecimento, pronunciando-o, o nome do primeiro mestre, do que os ensinou a ler.
 Considerações da ordem das que acabamos de fazer, quero acreditar, não são as que mais preocupam o pensamento da maioria d'esses podbres diabos, que, por mil réis annuaes, se deixaram ligar é atafona do ensino primario da aldeia; porém devem ser, além das miseria de tão mesquinha sorte, causas de grandes torturas moraes para alguma alma de instinctos e aspirações mais elevadas, que o destino amarrasse, como por escarneo, a este poste de expiação.
 Hoje um trecho do oitavo capítulo d' A Morgadinha dos Cannaviaes, segundo grafia em vigor em 1935. Alguma palavras adquirem aqui um ar de quase lingua estrangeira. Numa altura em que se falam de (des)acordos em redor da escrita, imagino o que teria sido o ruído nas ruas se os nossos avós tivessem tido o, na altura, privilégio de ir à escola.

Sunday, September 16, 2012

Por bem menos...

 Faz meses que não digo nada aqui. Em breve colocarei uma devida justificação, mas por agora apetece-me comentar o dia seguinte a uma das maiores manifestações de sempre no país a seguir ao 25 de Abril de 1974.

 Há já por aí quem, provavelmente assustado com o unânime repúdio ao governo, queira relativizar com um "mas não há alternativas" ou, já li isso, "esta é a via suave". Não, não! O que se passa é que ao fim de um ano de sacrifícios martelados ao som de "vamos conseguir", a única coisa que conseguimos foi estar mais longe de cumprir, estarmos mais pobres com isso e de nos dizerem que ainda vamos ter de perder mais. Não há como relativizar. Estas medidas são a receita, não para o desastre, que isso é o que vivemos, mas para um desastre ainda maior.

 Por menos do que se viu ontem Sampaio demitiu Santana. Por menos do que se viu ontem Sócrates apresentou a sua demissão a Cavaco e só não digo que Cavaco demitiu Sócrates porque por entre os apelos do Presidente à elevação popular (e agora não é preciso?) e às reuniões do mesmo com o então primeiro-fantoche (e agora?), Cavaco sempre pautou a sua actuação por nada fazer e nada decidir para tudo aceitar. Por menos que isso...