Monday, September 30, 2013

Rescaldo eleitoral

Fazer leituras nacionais de eleições locais é claramente um acto que serve mais para massajar o ego de quem tem aqui o seu espaço vitorioso. Ou pelo menos assim devia ser. O facto de castigarmos o partido e nos afastarmos das pessoas e propostas, diz mais da cegueira que nos tolda e do nosso analfabetismo político do que qualquer conversa que possamos ter ou tratados que escrevamos. No fundo, esse tipo de clubismo e anti-clubismo explicam em grande medida porque chegámos ao que chegámos.

Nas autárquicas vota-se frequentemente numa cara conhecida, no sentido de mais próxima e muitas vezes partilhando os mesmos problemas. Ao contrário das legislativas, em que as caras em quem votamos são camufladas por uma grande figura nacional, nestas eleições escolhemos os principais responsáveis pelas pequenas coisas do dia-a-dia, desde o buraco nas ruas, até em alguns casos a primeira linha de acção contra as agruras que nos chovem de patamares mais altos da governação, gente como nós, na medida do possível. Este impacto e a sua importância são quanto mais importantes, quanto menos urbana for a autarquia em questão.

A proximidade não traz só vantagens. Pela sua proximidade esta gente como nós encontra-se também muito mais exposta à conversa de café e a um escrutínio mesquinho, a roçar o calunioso, que se diz de uma boca para um ouvido enquanto se bebe uma bica. Muitos desses casos de "diz que disse" ficam-se por essa mesma mesa de café, motivados mais pelas nossas invejas e frustações do que por um qualquer conhecimento real. Mesmo os casos mais motivados por tricas partidárias e a conquista dos votos flutuantes da freguesia, raramente têm consequências mais graves do que fazer esse voto flutuar ou chocar o estrangeiro (e aqui estrangeiro é o de fora da freguesia) que os ouve.

Alguns casos no entanto são mais fundados do que outros e acabam nas barras dos tribunais. Ora, com um conjunto de leis que favorece claramente quem tem tempo e dinheiro para deixar os processos arrastarem-se (daqui segue um caloroso abraço a todos os governos e deputados que têm tornado isto possível), a única coisa que é surpreendente é que algum autarca seja de facto condenado na barra dos tribunais. Menos provável ainda quando o autarca em cause dispôs de tempo para acumular o suficiente, em géneros e influências, para que o processo se arraste mesmo.

Ora este autarca hipotético não o é, ele existe, chama-se Isaltino Morais e, apesar do tempo que demorou, acabou mesmo por ser preso. Penso que o facto de Isaltino ter conseguido vencer um sistema construído para seu proveito, deve ter pesado sobremaneira nos eleitores de Oeiras que o escolheram para os próximos quatro anos. Sim, apesar de preso, Isaltino continuará a mandar e isso ficou bem patente ontem, desde os presentes no comício de vitória, em vários cartazes para as juntas de freguesia quem aparece ao lado dos candidatos à freguesia é Isaltino e o salão de festas da candidatura foi a prisão da Carregueira. Nem o candidato que deu a cara pelo presidiário escondeu o orgulho que era suceder a um condenado. Orgulho!

Na verdade estou em choque. Neste momento sei como se sentem os milhões de italianos que se recusam a votar Berlusconi e passam a vida a levar com a criatura. Quer dizer, no caso Isaltino nem sequer o contentor de recursos que pôde usar, e que em muitos casos levam a que haja pelo meio um juíz que anula todo o processo, o salvaram de ir passar uns tempos à Carregueira. Ou seja, a malta de Oeiras escolheu conscientemente ser governada por um criminoso. Mais grave, não é um criminoso do género "atropelou uma velhinha", é um criminoso cuja natureza dos crimes fazem com que um cargo de responsabilidade pública seja a última coisa que se lhe recomenda.

A originalidade da escolha de Oeiras leva-me a crer que Vale e Azevedo apenas não será o próximo tesoureiro municipal devido ao conflito de interesses com as actividades do presidente de facto. Já quanto aos envolvidos no caso Casa Pia, penso que os serviços de acompanhamento de menores estão prontos a acolhê-los como técnicos.

Falei ali em cima de italianos. Não foi totalmente inocente. A principal vitória da noite de ontem não pertenceu a qualquer força política, ela pertenceu a Portugal. Por uma vez encontramo-nos na vanguarda de algo: os italianos olham agora para nós e vêem o seu futuro. Um país em que apenas metade vai a votos e mesmo esses para elegerem o condenado com um cadastro que menos o recomenda para o cargo. Valha-nos o resto do país!