Thursday, February 27, 2014

Palavras dos Outros: Sobre as praxes académicas e não só - Teolinda Gersão

Teolinda Gersão, escritora, dia 27 no Público tomou uma posição sobre as praxes. Certamente por ter culpas no cartório, não me tenho pronunciado sobre o tema. Acontece que a tomada de posição de Teolinda Gersão e muito mais sobre o "não só" que ela refere no título, do que sobre as praxes. Segue abaixo o texto integral. E sobre as praxes, se calhar abordo-as quando o tema arrefecer e antes de se demonstrar que a tragédia do Meco estará mesmo relacionada com elas.


Sobre as praxes académicas e não só
Para que a minha posição seja transparente, devo dar-vos publicamente contas dela:

Não me identifico com o Bloco de Esquerda, nem, neste momento, com qualquer outro partido. Da esquerda à direita, nunca um único deputado – nem de resto nenhum governante – se levantou para dizer que estava disposto a, voluntariamente, ver cortado o seu salário e a renunciar às benesses de que goza, por solidariedade para com o povo que representa, que viu o seu salário drasticamente reduzido, independentemente da sua vontade ou da situação económica em que se encontra, para onde aliás foi levado pela péssima gestão do dinheiro que pagou com os seus impostos, ao longo de décadas e sob sucessivos governos.

Não me revejo na Assembleia da República, nem na forma como os deputados são eleitos. No entanto, enquanto não conseguirmos uma Assembleia mais representativa e aberta, é com a que existe que temos de dialogar.

Assim, apoio as iniciativas que considero justas e no interesse do país, venham de que partido vierem. Uma boa ideia não passa a ser má nem deve ser rejeitada por vir do partido A ou B. No meu entender, quem assim procede faz política apenas partidária, e essa tem sido justamente uma das nossas grandes falhas, que não deixa o país avançar.

Em relação às praxes académicas, que é um assunto que merece a nossa atenção e reflexão, o Bloco de Esquerda foi o único partido a tomar uma atitude, com a qual estou plenamente de acordo.

Por isso subscrevi o apelo “Para que tudo não fique na mesma – Pôr fim à violência da praxe”, que me foi enviado em português europeu, com a garantia de que a versão onde constará o meu nome deverá estar nos meios de comunicação social numa versão sem Acordo Ortográfico.

Wednesday, February 26, 2014

Dois nomes dizem tudo.

Para perceber o que é o PPD (para os mais incultos, este é o nome que traduz o que de facto é aquilo a que chamamos PSD), basta olhar para o último congresso. Dois actos apenas traduzem, quais imagens que valem mais do que mil palavras, aquilo que é o bando de meninos que nos governa e aquilo que deles se pode esperar:

António Capucho, elemento histórico do partido, que já era membro activo quando alguns daqueles ainda andavam a beber leitinho, foi corrido.

Miguel Relvas, o paradigma da procura de conhecimento(s), regressou da sua lua-de-mel brasileira, direitinho para um lugar de relevo na estrutura do partido.

É preciso acrescentar mais alguma coisa?

Friday, February 21, 2014

Ucrânia - Palavras e Imagens de Outros

Ferreira Fernandes no DN de hoje exprime muito bem o que é todo o sururu diplomático, com ameaças de sanções terríveis, com o efeito prático de uns tau-taus mal dados.


A gola impecável volta às trincheiras

Há meses - não tantos que já permitam a desmemória que desculpe a falta de vergonha - o mundano filósofo francês Bernard-Henri Lévy entrou pelo Palácio do Eliseu armado em André Malraux. Este, em 1936, mobilizou quem pôde para derrubar um canalha, o general Franco. Três quartos de século depois, também Lévy incitou a França e a Grã-Bretanha a derrubar um canalha, o líbio Kadhafi. Poderíamos, aqui, apontar uma diferença de carácter: Malraux, além de incitar os outros a lutar, foi combater; já Lévy o único combate em que participou foi o de manter branca a sua célebre gola de camisa nas muitas conferências de imprensa que deu na fronteira da guerra. Porém, o principal da ação líbia de Lévy foi a estupidez: um ditador foi derrubado, mas sem plano B. A Líbia está desestabilizada até hoje e com ela arrastou vários países vizinhos (Chade, Níger, Mali...). Embora, há que reconhecer, a gola continue impecável. Em fevereiro passado ela foi vista outra vez, na Maiden, a praça de todas as sublevações, na capital ucraniana. Outra vez, o apelo: "Lutem! Lutem!", disse a gola. Pois eu desconfio. Sim, o que o Presidente ucraniano faz, virar as armas contra o seu povo, é inadmissível. Mas não gostei do apelo à guerra entre os ucranianos pró-União Europeia contra os ucranianos pró-russos. Pela razão primeira: a Europa não pode alienar a Rússia do seu destino comum. Mas também porque é indecente ver golas impecáveis incitando ao sangue dos outros.

Quanto ao que se passa em Kiev, o Bitaites.org partilhou tem uma série de fotos disponíveis que, se uma imagem vale mais do que mil palavras, gritam o que se passa, sem explicarem porque se passa.

Para verificar em: A Batalha de Kiev em 70 fotos impressionantes.

Monday, February 10, 2014

Palavras dos Outros: Confraria Joan Miró - Paulo Baldaia

Para dar um tom de contraditório, passo a crónica de Paulo Baldaia, dia 9 no DN. Como penso que este assunto está a ficar esgotado, os destacados deste texto e os destacados do texto do Daniel Oliveira, serão tudo o que de pretendo dizer sobre o tema.

Portugal avança e torna-se mais culto. Descobriu que tem milhares de seguidores do grande pintor catalão e a confraria Joan Miró obteve uma grande vitória. Num país a precisar de feriados, proponho que 4 de Fevereiro (dia do anulado leilão) seja assim assinalado no calendário.

Ironias à parte, convém dizer que este País está pejado de gente que se vê a si própria como muito culta e que gosta de fazer de todos os outros uma cambada de pacóvios. Na grande misturada de argumentos, foram atacados os hereges que se dispuseram a vender tão sagrada pintura; os incompetentes que se preparavam para vender abaixo do valor e os criminosos que fizeram os quadros sair às escondidas.

Descontando a questão administrativa (o processo de saída dos quadros não cumpriu todos os requisitos previstos na lei), os restantes argumentos são bastante discutíveis. Nem aqueles quadros nos fazem assim tanta falta (há muita pintura portuguesa para comprar e expor nos nossos museus) nem aquelas pinturas valem mais do que derem por elas (as coisas valem o que o comprador quiser pagar e não o que vendedor quiser receber). E, entre os que estão contra a venda, há os que dizem que vender tantos quadros ao mesmo tempo os desvaloriza e os que garantem que a colecção é boa e valiosa porque é grande e representa várias etapas do artista. Tudo e o seu contrário.
Voltemos à ironia. O que os confrades de Miró vieram dizer-nos nesta semana é que o saudoso Oliveira e Costa deve ser reabilitado porque deu um grande contributo à cultura portuguesa, adquirindo, com o dinheiro dos contribuintes, uma coleção que haverá de trazer a este País milhões de amantes da cultura. Pelo menos os espanhóis passarão a ter como objectivo de vida visitar Lisboa para ver Miró.

Não lhes passa pela cabeça que os 30 ou 40 milhões de euros, que possam valer aqueles quadros, sejam uma parcela a abater na pesada factura que os portugueses têm de pagar pela criminosa gestão do BPN. Argumentam alguns que a factura do BPN ascende a milhares de milhões de euros e que mal se nota o valor dos quadros. Mas é da matemática: 50 mais 50 dá 100, 100 mais 100 dá 200 e por aí fora...

Não ocorre aos confrades, já que não querem poupar os contribuintes, pedir ao Governo que o valor conseguido no leilão seja utilizado, por exemplo, para devolver às universidades os 30 milhões que lhes foram cortados. Para estar contra tudo serve. Quantos desses mesmos estariam a zurzir no Governo se a opção tivesse sido a de ficar com os quadros?

PS: Miró foi só mais uma novela informativa a juntar à novela das praxes e a outras pérolas do mediatismo português. Sobre isso e sobre a actividade jornalística falarei na próxima semana.

Friday, February 7, 2014

Palavras dos Outros: Não se vendam os quadros de Miró... baratos - Daniel Oliveira

Daniel Oliveira, dia 5 no seu blog do Expresso

Há, a propósito do leilão cancelado da coleção de 85 obras de Miró, três debates diferentes: o jurídico, o político e o financeiro.

O jurídico parece esclarecido: apesar do Tribunal Administrativo ter recusado a providência cautelar do Ministério Público para parar a venda, confirmou que os procedimentos impostos pela Lei de Bases do Património Cultural não tinham sido cumpridos e que a "expedição das obras é manifestamente ilegal". As obras viajaram ilegalmente para Londres, onde estão expostas, sem terem a autorização da Direcção-Geral do Património Cultural para saírem de Portugal. Uma autorização que, é bom lembrar, não é um mero procedimento burocrático. Defende o país do saque.

Nestas condições, só por uma completa irresponsabilidade é que a Christie's realizaria o leilão. Cabe à leiloeira verificar que tudo está em ordem. Não verificou e só ela pode ser responsabilizada pelo cancelamento no próprio dia. Ela e, obviamente, a Parvalorem, empresa do Estado que ficou com as ruínas do BPN e que tentou vender este espólio contornando uma lei que é, e bem, em todos os países desenvolvidos, muito restritiva no que toca ao comércio de obras de arte. Tendo sido a Christie's a cancelar o leilão, não vejo como possa vir a exigir a indemnização contratual.

Agora a questão política. Neste caso, política cultural. A coleção de Miró não ia ser incinerada ou destruída. Ia ser vendida, coisa que acontece regularmente a obras de arte. Não haveria, na minha opinião, uma perda para a cultura. Quanto a Portugal, perderia as obras que faziam parte do espólio de um banco em troca de dinheiro. E é costume nada vergonhoso estarem entre as coisas que se vendem obras de arte. Como sabem os galeristas.

Estes quadros são, para o Estado português, um ativo. Foram comprados ao colecionador japonês Kazumasa Katsuta. E estão tão bem aqui como em qualquer outro lugar. Ao contrário dos quadros que julgo que o BPN ainda tem de Vieira da Silva e Júlio Pomar, não há entre o autor ou estas obras e Portugal nenhuma relação especial. Nem especial, nem outra, para dizer a verdade. Não é património nacional. As obras foram compradas por um banco, como investimento, que foi nacionalizado e calhou que o Estado ficasse com elas. Com elas pode, sem ferir nenhum princípio ético, político ou legal, fazer uma de duas coisas: vender ou expor. Num caso o dinheiro é recebido já, noutro o investimento é rentabilizado. Num caso as obras são usadas para ajudar a pagar a enorme dívida do BPN, libertando dinheiro para outras coisas, como o apoio às artes e aos museus - muitos duvidam que o dinheiro tivesse esse destino, mas esse é um outro debate. Noutro, pensa-se mais a médio e longo prazo.

Não havendo, na minha opinião, nenhuma questão de princípio que impedisse esta venda, resta, para além da questão jurídica (muito relevante), a questão financeira. E é por ela, e apenas por ela, que me oponho frontalmente a esta venda que em boa hora foi travada.

Diz-me quem percebe da poda que 35 milhões por 85 obras de Miró é ridículo, tendo em conta os valores que os seus trabalhos costumam atingir. Na realidade, está bastante abaixo dos 150 milhões anunciados, em 2008, por Miguel Cadilhe, quando este dirigia o BPN. Ou dos 81 milhões declarados, em 2007, para efeitos de seguro. E a razão para esta diferença pode estar na venda de tantas obras duma só vez, o que contribuirá para a desvalorização, garantem alguns especialistas. É um completo absurdo uma venda por atacado, garantem-me. Apesar de confiar em quem sabe, não sou avaliador de arte e não sei se têm razão. Mas sei que não se fez nada para valorizar esta coleção. Está fechada num qualquer armazém há sete anos. Sem, coisa que tem espantado a imprensa internacional e nos devia espantar a nós todos, os 84 quadros e uma escultura terem sido expostos em Portugal ou no estrangeiro. Foram para Londres, para ser vendidos, sem nunca terem visto um raio de luz em Portugal. Ao que parece, não faltam, como é natural, interessados para expor aquilo que o atual diretor artístico da coleção Berardo, Pedro Lapa, descreveu, em declarações ao El País, como uma coleção que reúne "obras de todos os períodos de produção do artista, algumas delas chave na sua carreira".

A arte valoriza-se quando é exposta. É isso que há a fazer. Primeiro cá, contribuindo para promover o turismo, uma das poucas áreas em franco crescimento. Ao que parece, há mecenas preparados para contribuir para que isso aconteça. Depois no estrangeiro, para valorizar a coleção. O galerista Cabral Nunes, diretor da Casa da Liberdade - Mário Cesariny, considera que, em três ou quatro anos, a coleção gerará mais retorno do que esta venda, no que parece ser acompanhado por quase todos os especialistas. E a este argumento eu sou muito sensível. Sendo que depois disto o valor da coleção será seguramente outro. Ninguém, no seu perfeito juízo, vende uma coleção completa e coerente, duma só vez, num leilão, de um autor como Miró, sem nunca a ter exposto. Que o BPN fizesse este tipo de compras e as mantivesse fechadas em armazéns, não espanta. Por alguma razão deixou o buraco que deixou. Aconselha-se ao Estado que não cometa os mesmos erros de um banco falido.
 
Mas é de dinheiro que estamos a falar, certo? Porque se é de política cultural, desculpem mas não acompanho a indignação. Que se valorizem os quadros de Miró e se ponha a coleção a render. Se um dia valer a pena vender, que se venda. Bem precisamos de dinheiro para ter artistas a produzir as obras que mais tarde encherão os nossos museus, galerias, cinemas e teatros

Thursday, February 6, 2014

Palavras dos outros: A mortalidade das nações - Viriato Soromenho Marques

Viriato Soromenho Marques, hoje no DN:

Na Antiguidade, o conceito que melhor descrevia a esperança de sobrevivência individual, além da morte física, seria o de "imortalidade". Significando a permanência de nomes e feitos gloriosos no tempo. A imortalidade seria a veneração de uma memória através da perenidade de uma comunidade cultural e política. Ora aquilo que a Europa culta aprendeu com o colapso da Roma antiga é que até os impérios, mesmo os de mil anos, são perecíveis. Hoje, numa Europa à deriva, com a promessa da unidade solidária traída pelo regresso de uma perigosa mistura entre incompetência e pulsão hegemónica, seria conveniente recordarmos que as nações são mortais. Provavelmente, nunca desde as invasões francesas esteve Portugal tão ameaçado como sujeito histórico. Contudo, entre 1807 e 1811, por entre cidades incendiadas e civis fuzilados, a existência de Portugal nunca se encontrou verdadeiramente em causa. 300 mil populares insurrectos tornaram a vida do invasor um inferno. Mesmo se Napoleão tivesse vencido, Portugal ter-se-ia reinventado como potência americana, a partir da corte no Brasil. Hoje estamos entregues a nós mesmos. Sem recuo imperial nem aliados seguros. Mas o maior perigo vem de dentro. De um Governo que bebe alegremente a cicuta num país que vai vendendo os anéis e mutilando os dedos. Uma nação em hemorragia de pessoas e riqueza, onde o Executivo organiza uma espécie de "liquidação total" na festa dos mercados. Deveríamos estar a preparar alternativas nesta hora de emergência existencial. Mas o que se discute na oposição, com azedume e recriminação, são os lugares elegíveis nas listas de deputados para a próxima eleição... Não é temeridade perante o risco. Trata-se, antes, de uma crónica e letal ausência de lucidez.