Friday, October 22, 2010

É isto a democracia?!, Manuel Maria Carrilho, DN, 21/10/2010

Rui Pinto tem um interessante comentário ao artigo em epígrafe no seu blog. Pode ser lido em:

É preciso legitimar a democracia.

A Fábrica de Presidentes

Há no mundo várias formas de governo. Destas algumas apresentam-se como sendo democracias. Etimologicamente isto quereria dizer que o poder se encontra nas mãos do povo.

Para alguns leitores, o artigo "É isto, a democracia?!", De Manuel Maria Carrilho (DN, 21/Out/2010) é um ataque encapotado ao Governo de José Sócrates. Acredito que retirar essa conclusão é, como dizia Ferreira Fernandes no mesmo jornal, olhar para o dedo que nos aponta a Lua. Mais do que um ataque, este artigo de opinião acaba por ser um abrir de olhos sobre algo que nos devia interessar a todos, especialmente em alturas em que se multiplicam comentários de que "isto só lá vai com outro Salazar".

Devemos pois reflectir. Nessa reflexão, deveríamos talvez considerar que o regime semi-presidencial está um pouco ultrapassado. Na verdade talvez devêssemos optar por um regime em que a figura do Presidente (com menos poderes do que alguns monarcas europeus) tem mais poderes. Esta afirmação não se encontra totalmente desprovida de suporte. Na verdade, Portugal parece muito mais dado a formar bons presidentes do que bons primeiros-ministros.

Comprovemo-lo com dois com dois casos, que até se cruzaram nos corredores do poder: Mário Soares e Cavaco Silva.

Como primeiro-ministro Soares faz Sócrates parecer um qualquer ministro da solidariedade de um país nórdico (daqueles em que saúde quase não é encargo e a educação um direito e não um privilégio) e Cavaco rivalizou, em "nunca ter dúvidas e raramente se enganar", com alguns príncipes de países democráticos como a Arábia Saudita... A uni-los, o facto de ambos terem estado na linha da frente da adesão à (então) CEE: o primeiro meteu-nos lá e o segundo torrou (ou alcatroou) os fundos que de lá vinham.

Como presidentes, por outro lado, Soares foi figura de proa na oposição a Cavaco e este tem sido uma bengala preciosa de Sócrates. O irónico da questão é que ambas as posturas são não apenas as necessárias para o país, mas também as que mais favorecem os interesses eleitoralistas dos partidos que os apoiam.

Se Soares se encontra politicamente arrumado (e quem disso duvida, recuemos no tempo até Janeiro de 2006), Cavaco ainda por aí anda e parece que com bem mais consciência do que quando era. Será caso para se falar de Prof. Cavaco e Sr. Silva? De que outra forma se pode considerar que o homem que agora defende a aposta no mar (Cavaco reforça necessidade de aposta no mar, Rádio Renascença, 21/Out/2010) seja o mesmo que, enquanto PM e com fundos comunitários, patrocionou o abate (extinção?) de grande parte da frota pesqueira portuguesa?

De facto parece impossível que "Face às elevadas quantidades de consumo de peixe per capita, surpreende que não façamos mais esforços para aumentar a sua produção. Para um país que tem, impreterivelmente, que de reduzir as suas importações e aumentar as suas exportações, dá que reflectir.".

Talvez possamos no entanto reflectir num desses belíssimos submarinos em que a dupla Santana/Lopes afogaram uns quantos euros, que tanto jeito estão a dar à amiga Merkel!



Tuesday, October 19, 2010

O recém descoberto sentido de dever patriótico

Paulo Rangel apela à abstenção por "dever patriótico"

Vindo de quem vem é caso para dizer que mais vale tarde que nunca. Ou será? Desde que os Governo anunciou, no passado dia 29 de Setembro, as medidas de austeridade para o OE, que inúmeras personagens ligadas ao PSD se têm desdobrado em sucessivos comentários ao que deve ser feito. Enquanto que o querido líder bate começou pela tecla da negação, para mais recentemente ceder um pouco à da troca de favores. Porque é isso de que efectivamente se trata quando ouvimos falar em negociar o OE! Nos últimos vinte anos, dois partidos têm-se dividido na governação, atacando-se ferozmente e em nada diferindo. Nada! O maior problema do PSD pré Passos Coelho residia precisamente nesse ponto: não havia oposição possível a um governo que cumpria escrupulosamente o seu programa de Governo. Até que Passos Coelho achou por bem mostrar que estava vivo, apresentando uma revisão constitucional que tinha por objectivo maior fazer barulho.

O que Passos Coelho não esperaria é que o barulho produzido fosse de tal forma que, mesmo contra um governo desgastado por uma intensa crise, as sondagens dessem uma clara derrota ao PSD. Aqui é que a coisa começa a correr mal. A Portugal entenda-se!

Fazendo um apanhado do mês de Setembro, dificilmente haverá um dia em que Passos Coelho não tenha aparecido esbaforido nos jornais a dizer que não apoiaria a aplicação das medidas recomendadas internacionalmente (e que a sua antecessora também havia defendido), ou a dizer que não disse o que disse (a propósito da revisão constitucional), ou ainda a antecipar um OE em que, como toda a gente já saberia na altura, se iria abster para permitir a sua viabilização.

O resultado não poderia ser mais irónico. No mesmo dia em que o EUROSTAT (através da divulgação de dados) dava razão ao Governo, relativamente a não ter alinhado por cortes de salários e aumento de impostos, o Governo anuncia estas medidas (e outras), e o PSD, mal conseguindo conter lágrimas de alegria, afirma estar contra (pudera, se não fossem essas medidas dificilmente teriam hipóteses numa luta eleitoral).


Não tenho grandes esperanças que as coisas mudem... Se fosse coerente consigo mesmo, o PSD votava contra. Se houvesse coerência na Assembleia da República, toda a oposição votaria contra. E o orçamento chumbava. E o governo caía. E então seria o vê se te avias, mas com uma certeza: para o Zé Povinho, pior não fica!