Friday, July 25, 2014

Palavras dos Outros - O Biombo, José Manuel Pureza

Por uma vez sinto-me impelido a partilhar na íntegra as palavras de José Manuel Pureza. Estas foram publicadas hoje no DN e basicamente... É isto!

A LP da CP já era. Não, esta crónica não é sobre discos de vinil nem sobre comboios. É sobre uma organização internacional e sobre o sentido da sua existência.
A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) nasceu na encruzilhada de duas visões e de duas agendas. Uma foi a agenda da nostalgia lusotropicalista. Para ela o colonialismo português foi sempre essencialmente benigno e, mais do que tudo, gerou a miscigenação boazinha de povos e de culturas. Esse suposto excecionalismo histórico-cultural da relação de Portugal com as suas ex-colónias seria, para esta visão, o ativo mais precioso para a negociação da posição de Portugal na Europa. Em síntese, para essa agenda, a CPLP seria uma espécie de sucedâneo das colónias expurgado de colonização formal. A segunda agenda que esteve na génese da CPLP foi a da hegemonia brasileira em crescendo. Animada por outras elites com outra história, esta agenda partilhou com a primeira a noção de excecionalismo do legado do colonialismo português. Mas enquanto a primeira era um recurso defensivo para Portugal, esta era um recurso afirmativo para o Brasil. Não servia para negociar para Portugal outras coisas na Europa mas para afirmar o Brasil como parceiro privilegiado dos países africanos.
A língua portuguesa foi um traço de identidade de ambas as agendas. O que mostra a ambivalência da língua como foco das políticas externas dos Estados que foram ou aspiram a ser dominantes num espaço internacional. Língua de negócios para a construção civil ou para a consultoria jurídica, o português foi também a língua de desenho de imaginários emancipadores por Mia Couto, Pepetela, Valter Hugo Mãe ou Rubem Fonseca. Língua do império, o português foi também língua de resistência ao império.
Uma organização internacional é sempre mais do que os seus propósitos fundadores. Os declarados e os outros. Uma organização alicerçada sobre a ambivalência do papel histórico da língua portuguesa tinha de ter necessariamente como natureza a abertura ao desempenho de diferentes papéis. Tanto o de ser trampolim para novos mercados como o de defender as populações civis da Guiné-Bissau contra as teias destruidoras dos tubarões do narcotráfico internacional, por exemplo.
Chegado aqui, quero dizer com clareza: prefiro mil vezes essa pluralidade em aberto do que a clareza fechada da agenda que nasceu na cimeira de Díli. Ao decidir pela inclusão da petroditadura de Obiang, a CPLP aceitou abandonar a sua matriz fundadora - e a diversidade de lógicas que a animavam - e tornar-se outra coisa totalmente distinta. O critério que permitiu esta inaceitável adesão da Guiné Equatorial torna perfeitamente natural que o Canadá, a Bélgica ou a Argentina, por exemplo, sejam um dia aceites como membros desta tão peculiar comunidade de países "de língua portuguesa". Com duas diferenças: primeira, nenhum deles pedirá para ser membro porque não tem nenhuma necessidade de lavar a sua imagem internacional; segunda, em qualquer deles há incomensuravelmente mais gente que fala português do que na Guiné Equatorial.
Não vejo mal nenhum na existência de uma organização que una Portugal, a Argentina, o Canadá e a Bélgica, claro. Mas para que serviria essa estranha união? E para que serve a estranha união entre a Guiné Equatorial e qualquer dos países fundadores da CPLP? Há uma resposta para esta pergunta e é a pior de todas: para ser biombo e disfarçar a barbárie. Foi esse o mais inquietante sinal que a CPLP deu para fora e para dentro na cimeira de Díli: ela aceita ser uma organização-biombo de ditaduras e de regimes despóticos. Sobre isso deixou de haver qualquer ambivalência.

Monday, July 7, 2014

Palavras dos Outros - Presidente Grande não é Grande Presidente, Nuno Saraiva

Hoje partilho o artigo de Nuno Saraiva no DN de dia 5 de Julho. Apesar de não concordar que alguém com metro e oitenta seja grande, percebe-se a retórica de Nuno Saraiva. O que não se percebe é como alguém ainda leva o nosso Querido Presidente a sério. Pior, como com tudo o que sabe que ele fez e disse, e com o seu historial, alguém ainda o toma como sério.

Presidente grande não é sinónimo de grande Presidente

Foi há pouco mais de uma semana. Sem registo de achaques, fanicos ou camoecas, o Presidente da República, qual peregrino de Nossa Senhora de Fátima - a tal que, em maio de 2013, "inspirou" o fecho da sétima avaliação da troika -, "ajoelhou-se" perante o seu homólogo alemão para acatar a lógica punitiva que encima a liderança merkeliana da Europa.
"Aprendemos a lição dos últimos anos", afirmou o professor Cavaco diante do senhor Gauck. Isto é, na narrativa enunciada agora pelo Chefe de Estado, os portugueses todos, de quem, insiste em afirmar, é o Presidente, foram, durante anos a fio, mandriões, viveram acima das suas possibilidades e às custas dos virtuosos e generosos alemães. E, portanto, os mil e tal dias de expiação violenta dos pecados a que já fomos sujeitos - e que hão de continuar - são justos e merecidos, até porque quem não tem dinheiro não tem vícios, que é como quem diz, casa própria, carro, televisão para ver a bola e as novelas, sofás da Moviflor (roubado ao Pacheco Pereira), os putos na escola e outros luxos, como funcionários públicos bem pagos ou reformados com pensões acima de 700 euros. Tudo conseguido, está bom de ver, à custa do crédito, ou seja, do endividamento.
Definitivamente, Cavaco não tem emenda. Bem sei que talvez fosse pedir demais ao inquilino de Belém que, como Matteo Renzi no Parlamento Europeu, recordasse ao senhor Gauck que a Alemanha só é hoje uma economia pujante e que cresce porque, em 2003, quando foi pioneira na violação do défice inscrito no Pacto de Estabilidade e Crescimento, a União Europeia condescendeu na flexibilização das regras. Isto para já não falar da solidariedade europeia, traduzida em perdões, na era da reconstrução do após-guerra ou no tempo da reunificação alemã. Já que não lhe passou sequer pela cabeça citar os seus próprios roteiros no que à incapacidade de pagar a nossa dívida diz respeito, de acordo, naturalmente, com as regras estabelecidas no Tratado Orçamental, e que por isso têm fatalmente de ser revistas, bastava apenas que tivesse ficado em silêncio, em vez de nos ter sujeitado a nova humilhação.
Cavaco Silva é homem de metro e oitenta. Mas isso faz dele, apenas, um Presidente grande. Não um grande Presidente. E esse pormenor da perspetiva com que se olha para a estatura faz toda a diferença. Nos últimos dias, aliás, a dimensão cavaquista ficou evidente, mais uma vez, em dois momentos distintos.
Primeiro, ao ignorar o prémio internacional com que Carlos do Carmo foi distinguido. É certo que não é um Óscar ou sequer um Nobel da Literatura. É só um Grammy Latino, coisa sem importância, pela excelência da carreira de mais de 50 anos. Cavaco é assim, politicamente pequenino, politicamente rancoroso, politicamente mesquinho. Tal como já acontecera, por exemplo, na morte de Saramago, o Presidente da República foi incapaz de mostrar nobreza e afirmar-se orgulhoso por mais este feito de um embaixador da cultura portuguesa. E tudo porque Carlos do Carmo não faz parte da corte cavaquista, e não hesita em criticar frontalmente e em público os defeitos políticos de Cavaco. Ser Presidente de todos os portugueses é saber conviver com as diferenças e com a crítica, felicitando todos os que se destacam e não apenas aqueles que o bajulam.
E depois houve o Conselho de Estado. Mais uma vez, Cavaco Silva está preocupado, sobretudo, com o seu lugar na história. Apelar a "consensos", "compromissos", "pontes de diálogo construtivo" entre partidos, a um ano de eleições legislativas, ainda para mais com o Partido Socialista feito em frangalhos é, obviamente, politicamente desleal e irrealista. Serve, tão-só, o propósito para que o Presidente possa prosseguir a construção da sua narrativa favorita. Ou seja, que avisou, que tudo fez para que as forças políticas do chamado "arco da governação" se comprometessem num pacto, e que não foi por falta de ter tentado ou por sua responsabilidade que isto, eventualmente, não acontecerá.
Como escreveu nesta semana o embaixador Seixas da Costa, "com o devido respeito, o espaço nos livros de História não se ganha desta forma".

Tuesday, July 1, 2014

A Comissão Europeia, pós eleições para o Parlamento 2014 (Parte 2)

Escrevo estas linhas depois da proposta, pelo Conselho Europeu, de Juncker para presidente da Comissão Europeia. Não poderia ser de outra forma, goste-se ou não do homem e do seu comportamento enquanto presidente do Eurogrupo.

Escrevo estas linhas sem saber o que se passa na primeira reunião do novo Parlamento Europeu. Não sei se propôs, e se o fez, o que propôs Juncker fazer enquanto presidente da Comissão. Sei de umas palavras vagas sobre empreendedorismo, sobre inovação, sobre desemprego jovem (como se o desemprego de velhos com mais de 40 anos não fosse um problema). Não sei de nada. No entanto o Parlamento vai votar nele. Já o assumiram.

O que esperava, feita a nomeação, era que o Parlamento, antes de validar a escolha do Conselho, o ouvisse e votassem a visão e o projecto do homem.

Juncker está longe de ser um nome consensual. É um homem que desagrada a eurofóbicos, por ter sido presidente do Eurogrupo, por ser considerado um federalista, por ser a favor de mais Europa. É, pelas mesmas razões, um homem que desagrada a eurófilos, aqueles europeístas que não se revêm na actual União, que pedem e clamam por mais igualdade e mais democracia no processo decisório e que nestes dias tão injustamente são catalogados como eurocépticos. Só aqueles que esperam que nada mude, na esperança que tudo fique na mesma se alegram e regozijam com a provável eleição.

Todo o eurodeputado que votar em Juncker terá responsabilidades sobre as posições da Comissão nos próximos quatro anos. De cada vez que um deputado se levantar no Parlamento para criticar a posição da Comissão, deverá pensar como votou e porque votou nessa Comissão. O futuro para uma melhor União passa por mais união entre Parlamento e Comissão, não por maior subserviência da Comissão aos desmandos do Conselho. Seria bom que a próxima Comissão procurasse e encontrasse mais pontes com o Parlamento e que o Conselho ficasse mais e mais com a devida responsabilidade pelas decisões catastróficas que toma. Talvez nesse dia percebêssemos que quem escolhemos nas Legislativas é tão importante para o nosso lugar na Europa, como aqueles que escolhemos nas Europeias.