Tuesday, April 4, 2017

Uma coisa não exclui a outra

Parece que o assunto da semana alterna entre a solução para o BES (que é disso que se fala quando se fala do Novo Banco) e a possibilidade de Mário Centeno se tornar Presidente do Eurogrupo.

Falemos pois um pouco desses dois assuntos. Começando pelo BES. É uma solução da treta. É má, ponto. Não é pior nem melhor do que a solução do BPN é igualmente má para o Estado e portanto para nós. Agora começa o rol de "mas é a solução possível". Se calhar é. Se calhar não era. Quando as finanças holandesas tiveram de socorrer o ABN Amro ficaram com controle do banco e até adiaram a reprivatização para uma altura em que o mercado fosse mais favorável.

Falar das finanças holandesas leva-me directamente para o Presidente do Eurogrupo. Jeroen Dijsselbloem, o filho pródigo de Schäuble, está a ser acossado desde pelo menos Dezembro, quando as sondagens deram a entender que o partido dele levaria uma traulitada histórica nas urnas. Nada de estranho, quando um partido trai toda a sua raíz ideológica costuma acontecer isso. Dijsselbloem é apenas a face mais visível dessa traição ideológica. Daí que os seus comentários sobre "mulheres e bebida", tenham sido munição de sobra para atacar o já de si periclitante Ministro Holandês. Porque convém não esquecer que Dijsselbloem acumulava o cargo de Presidente do Eurogrupo com o de Ministro das Finanças Holandês.

Tal facto parece ter sido olvidado pelo Presidente Marcelo "Super-Estrela" Rebelo de Sousa. Talvez se passasse menos tempo a comprar viagens e mais a estudar dossiers se tivesse apercebido de duas coisa. A primeira é que o principal argumento da campanha contra Dijsselbloem é que não se pode presidir ao Eurogrupo sem se ser Ministro das Finanças. A segunda é que a campanha contra Dijsselbloem visa colocar no seu lugar o ministro Espanhol, Luis de Guindos. Que curiosamente até é da família política do Presidente e ex-funcionário do Lehman Brothers.

Vocês querem ver que afinal o Marcelo ao não querer que o Centeno "se vá embora" (que não iria), apenas quer que Guindos ajude a limpar a porcaria que fez noutra vida?

Tuesday, March 21, 2017

Um racista é um racista.

O que pode levar alguém a sair do buraco de ano e meio em que andou escondido? Será que vai dar grandes explicações para o sucedido? Por ordem inversa, não e as eleições Holandesas.


Quem me conhece facilmente adivinhará porque motivo me afastei. E de forma igualmente fácil constatará porque agora é possível sentar-me e pôr as ideias em ordem.



O que não é tão imediato será o perceber porque só agora falo das eleições na Holanda. Se tivesse de resumir tudo numa palavra, essa palavra seria preocupação. Não a minha, convém ressalvar, mas a preocupação de todos que a mim se dirigiram a pedir informações sobre as eleições Holandesas. A essa preocupação não será alheio o circo montado na imprensa a respeito do populista local. Não foi só em Portugal, entenda-se, mas a verdade é que de repente me tornei uma espécie de especialista em política Holandesa. Não o sou, mas agradeço a consideração.



Será então essa atenção que me fez sair da toca e necessitar de comunicar o que me vai na alma? Não, mas está relacionado. Na verdade foram os comentários de alguém que tem vivido de perto essa política Holandesa, ao ponto de ter dupla nacionalidade e de, pela sua visibilidade, ter sido convidado a exprimir-se sobre a sua posição nessa eleição. Falo do recente vencedor do Prémio SPA para melhor livro de ficção narrativa, Rentes de Carvalho.



Diz o autor, numa publicação no seu blog poucos dias antes das eleições que partilha com Wilders «a sua ideia de deportar os marroquinos que, na Holanda, encabeçam as estatísticas da criminalidade; que a Holanda teria vantagem em se separar da EU (o que não acontecerá); que se deveriam ter fechado as fronteiras (o que está provado  ser impossível ); que os idosos, os pobres e os deficientes não recebem os cuidados a que têm direito; que mesmo um país rico e bem organizado não tem capacidade para absorver a vaga de refugiados – problemática que os sucessivos governos empurram com a barriga no aguardo de milagres.»



Vamos pois enquadrar um pouco. Foram vinte e oito partidos a votos. Sim, 28 em cardinal para não se pensar que se leu mal. De entre esses vinte e oito, o que destaca o Partido Unipessoal (já lá vamos) de Wilders dos restantes é o racismo. Não é a sua posição anti-UE (pelo menos um outro partido era abertamente anti-UE, anti-ONU, anti-tudo-o-que-seja-organização-internacional), não é a sua posição a favor de fechar as fronteiras ou qualquer coisa que represente esse regresso a um passado glorioso (ignorando o lado colonialista desse passado). O que faz Wilders destacar-se, para lá do seu cabelo, é o racismo. Dessa forma, não há outra forma de olhar para um apoiante de Wilders no contexto desta eleição, que não seja a forma de olhar para um racista.



Talvez Rentes de Carvalho não se sinta bem na pele de racista. Convenhamos que não se usa normalmente como elogio, exepto em círculos pouco recomendáveis. Só que bem pode Rentes de Carvalho afirmar que discorda «de Wilders pela irrealidade das suas intenções, pelo seu autoritarismo, pela nada democrática prática de ter um partido em que se pode votar, mas não aceita filiados», porque afinal aquilo em que ele discorda é aquilo que faz Wilders ser Wilders. Votar em Wilders como forma de protesto e dizer que é só como forma de "protesto construtivo" como se não houvessem alternativas de protesto é ou desonestidade inteletual ou vergonha.



Por muito que eu gostasse de acreditar que foi um resquício de vergonha, infelizmente a argumentação que Rentes de Carvalho usa dinamita essa esperança. Como artífice da palavra Rentes de Carvalho alinha na Cruzada em curso contra a islamização. Só assim se entende que ignore que o grupo étnico que lidera as estatísticas para suspeitos de crime serem os cidadãos de meios de etnia Antilhense e só em segundo os marroquinos. Se não acreditam no que digo, não confiem em mim. Vão ao CBS, o equivalente ao INE, e vejam o Relatório Anual sobre Integração. Até poupo o trabalho, é seguir esta ligação e seguir até às páginas 14 e 15 do ficheiro pdf.



Infelizmente estas estatísticas referem-se a suspeitos. Não sei se aqueles marroquinos que lideram as estatísticas de Rentes de Carvalho são os que foram efectivamente considerados culpados ou se são os jovens de segunda geração. No caso dos primeiros seria interessante ter acesso às, chamemos-lhe, estatísticas não sensoriais (na busca por dados oficiais tive de chafurdar em sites vagos e com opiniões não estranhamente semelhantes ao racismo explícito de Wilders e apoiantes); caso sejam os segundos, seria interessante saber para onde se deportam cidadãos de segunda geração. É isso que os racistas ainda não conseguem explicar, mas penso que não será importante, desde que habitem sozinhos a sua bolha de medo.