Friday, August 8, 2014

Palavras dos outros, a dobrar - A inexplicável tragédia de entre-os-BES é o fungagá da bicharada, Fernanda Câncio e Aurora Teixeira

Antes do fim-de-semana, sai uma dupla citação para reflexão.

A primeira, da autoria de Aurora Teixeira, foi publicada no Expresso. A segunda é a crónica semanal de Fernanda Câncio no DN. Estão tão relacionadas que achei por bem juntar os títulos. Escusei-me a fazê-lo com o texto, mas os destacados, como de costume, fui eu que fiz.

[por] Aurora Teixeira
Para o ministro da Economia, Pires de Lima, o acontecimento do BES é  'inexplicável '. Segundo o governante, parece inevitável que os investidores, sobretudo os estrangeiros (?!), reajam negativamente tendo de fazer a 'digestão' de tudo aquilo que se passou. Adianta, para nosso desassossego, que está a seguir "com muita atenção o que se está a passar nos mercados"...
As reações internas ao caso BES, sobretudo centradas na  actuação do Banco de Portugal  e do seu Governador, deixam um actor (a meu ver, chave) neste processo, o Goldman Sachs, 'passar pelos pingos da chuva'.
O que parece estar por explicar é a "meteórica passagem" do Goldman Sachs pelo capital qualificado do BES. É de estranhar que o banco norte-americano após ter entrado, em 15 de julho do corrente ano, no capital accionista e ter incentivado outros a investir no BES, contribuindo para uma momentânea valorização das acções deste último, em 23 de julho, ou seja poucos dias antes da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ter decidido a suspensão da negociação dos títulos em bolsa, tenha vendido mais de 4 milhões de ações do BES.
Tal situação levanta desde logo a suspeição de "insider trading", isto é, negociação de valores mobiliários baseada no conhecimento de informações relevantes que ainda não são de conhecimento público, com o objetivo de auferir lucro ou vantagem no mercado. Apesar da CMVM ter aberto, no dia 1 de agosto, um processo de " investigação aprofundada da negociação dos títulos do BES... para apurar a eventual existência de indícios de violação do dever de defesa do mercado e/ou de crime de utilização de informação privilegiada ", é pouco provável que daqui se retirem algumas consequências relevantes.
Esta atuação do Goldman Sachs no caso BES não representa um evento excepcional. Pelo contrário, a história deste banco norte-americano é pautada de inúmeros 'casos' e passagens por 'portas giratórias' (entre política e finanças) que favorecem o 'insider trading' e o 'inside job'.

Abutres
O Goldman Sachs tem surgido, direta ou indiretamente, relacionado com as mais polémicas operações desde que eclodiu a crise financeira: entre outras, o swap grego ou o caso Abacus.
A troco de uma elevada comissão, a partir de 2002, o Goldman Sachs 'ajudou' a Grécia a encobrir os reais números do défice, através de 'swaps' cambiais com taxas de câmbio fictícias, o que na prática permitiu a este país aumentar a sua dívida sem reportar esses valores a Bruxelas. Em 2005 vendeu os 'swaps' a um banco grego protegendo-se assim de um eventual incumprimento por parte de Atenas. No início de 2010, e ao mesmo tempo que desempenhavam a função de consultores dos Governos, os analistas do Goldman recomendaram aos seus clientes a aposta em 'credit-default swaps' (CDS) sobre dívida de bancos gregos, portugueses e espanhóis. Estes CDS são instrumentos que permitem ganhar dinheiro com o agravamento das condições financeiras de determinado país.
O Abacus foi o nome que o Goldman Sachs deu a um produto financeiro composto por hipotecas subprime de muito má qualidade que supostamente colocou à disposição de um dos seus melhores clientes, o hedge fund de John Paulson, que entretanto apostou contra o produto enquanto os clientes que investiam de verdade no produto sofreram avultadas perdas. Para evitar uma investigação sobre o caso o Goldman Sachs aceitou pagar, em julho de 2010, 550 milhões de dólares (coisa pouca se se tiver em consideração que o hedge fund arrecadou cerca de mil milhões de dólares numa única aposta).
De acordo com o  Wall Street Journal , o Goldman Sachs era, em 2013, o único banco no top 10 (era o 3º) dos designados 'fundos abutre' (vulture funds). Um 'fundo abutre' é um hedge fund que investe em títulos (dívida) considerados muito fracos ou de entidades em iminente default/incumprimento. Mesmo entidades com um elevado nível de alavancagem podem ser alvo de um 'fundo abutre' se existir alguma possibilidade dos seus proprietários não cumprirem a totalidade dos pagamentos. Como o nome indica, estes fundos são como abutres que sobrevoam pacientemente o cadáver, esperando se apoderar do respectivo remanescente. O objectivo é a obtenção de elevados retornos a preços de saldo.

Tartarugas e polvos
O carácter metódico e prudente do Goldman Sachs, complementado por um dos seus lemas - 'apressar-se lentamente' -, valeram-lhe, em tempos, a alcunha de ' tartaruga '. A onda de desregulamentação financeira dos anos 1980 transformou a 'tartaruga' em 'polvo', com diversos ex-proprietários do banco a ocuparem importantes postos políticos em diferentes áreas do governo e em diversos países.
Robert Rubin, ex-diretor do Goldman Sachs, e acérrimo defensor da desregulamentação, foi ministro das Finanças (1995-1999) de Bill Clinton. Henry Paulson, ex-proprietário do Goldman Sachs, principal arquitecto do resgate do sistema bancário, foi ministro das Finanças (2006-2009) de George W. Bush.
Romano Prodi, ex-primeiro ministro italiano, e Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu BCE), tinham sido, respetivamente, conselheiro e vice-presidente do Goldman Sachs para a Europa.
Os tentáculos do Goldman Sachs chegaram também a Portugal.
Carlos Moedas, conhecido como o 'ministro da troika', recentemente escolhido por Passos Coelho para ser o próximo comissário português em Bruxelas, passou pelo Goldman Sachs onde conheceu António Borges que, entre 2000 e 2008, foi Vice-Presidente do Conselho de Administração do Goldman Sachs International e que, em 2012, foi convidado por Passos Coelho a liderar uma equipa que acompanhou, junto da troika, os processos de privatizações, as renegociações das parcerias público-privadas, a reestruturação do sector empresarial do Estado e a situação da banca.
O BES também não escapou. João Moreira Rato, ex-Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP), que conta no currículo com uma passagem pelo Goldman Sachs, foi recentemente 'promovido' a administrador financeiro do 'banco bom'/Novo Banco.
Fica-se assim daqui com a ideia de que os que provocaram o incêndio são os mesmos que são chamados para o apagar...
Uma verdadeira tragicomédia. Ironizando, com recurso às palavras do filósofo-cantor português, José Barata Moura, é o fungágá da bicharada! (...)


por Fernanda Câncio

Maria Luís Albuquerque, a 27 de junho, no Parlamento: "Posso dar a garantia de que não vamos ter dinheiro dos contribuintes no BES. Estamos a acompanhar a situação há já largos meses. O Governo tudo tem feito." M.L.A., a 7 de agosto, no Parlamento: "Os contribuintes receberão de volta o seu montante." M.L.A., a 27 de junho, idem: "Quem toma as decisões é o Governo e ninguém mais." M.L.A., a 7 de agosto, ibidem: "A decisão é tomada pelo regulador. Aconselho os senhores deputados a lerem a legislação."
Contradições insanáveis categoricamente proferidas, como é apanágio da responsável (?) das Finanças. E como as explica, enfadada? "Houve uma quantidade de factos novos que vieram a público nos últimos dias." Portanto, andou a garantir que o banco era sólido até meio de julho sem fazer a mínima, mas qual é o problema? Ninguém espere que senhora tão séria admita ter andado a enganar os portugueses e, o que para ela será muito mais grave, os mercados.
Admitir o quê se ontem também foi ao Parlamento o governador do Banco de Portugal assegurar que toda a responsabilidade é sua? "Se houver alguma coisa a criticar, é ao BdP, se houver alguma coisa a elogiar, é ao BdP. O proprietário da solução é o BdP." Solução que, informou os deputados, Carlos Costa só decidiu na sexta - apesar de, no domingo à noite, ter informado o País de que a fraude no BES, constando da descapitalização do banco a favor de empresas do grupo, fora detetada em setembro de 2013. Para além desta revelação espantosa (o regulador sabia de uma fraude e durante um ano permitiu que continuasse, deixando os que a cometeram - é ele que disso os acusa agora apesar de até há pouco lhes ter certificado a idoneidade - em funções até falirem o banco), estamos ante um milagre: é que o Governo aprovou na quinta de manhã, portanto quatro dias antes do anúncio de Costa e um dia e meio antes daquele em que este situa a decisão, o diploma (de imediato aprovado pelo PR) que permitia a tal solução.
Lindo, não? O problema é que isto não configura mera "inverdade". Como apontou na quarta à noite na SicNot[ícias] o socialista Pedro Silva Pereira, a data da aprovação da lei significa que muita gente sabia, nesse dia e até antes (na preparação do diploma), o destino do BES. Evidência disso é o facto de Marques Mendes o ter revelado o sábado na SIC. Quantas mais pessoas tiveram acesso a uma informação que tanto dinheiro valia? Quantas a traficaram? Não se sabe e talvez nunca se saiba. O que sabemos é que Governo e BdP permitiram que as ações do BES se mantivessem em mercado, perdendo, entre quinta e sexta, 62% do seu valor.
Não foi uma ponte que caiu, mas um banco. E até ver não morreu ninguém. Mas a cadeia da responsabilidade é, ao contrário da de Entre-os-Rios, cristalina. Demissões é que nada.

Wednesday, August 6, 2014

Banco Novo, Vida Velha - III

Tendo abordado quem paga a conta no anterior comentário, agora falta saber quem pagará pelo que foi feito. Um buraco como o que o BES apresentou no primeiro semestre, não se cava em seis meses. Nem sequer em seis anos! Leva tempo. Pior do que levar tempo, envolve muita gente. Como escreve Paulo Baldaia, em texto que transcrevo na íntegra abaixo, "não há banco do regime sem regime (...) nem corruptores sem corruptos".

O que pensar então de quem, no dia 29 de Julho, menos de uma semana antes da cisão em "banco bom, banco mau", dizia que "caso venha efetivamente a verificar-se qualquer insuficiência da atual almofada de capital, o interesse demonstrado por diversas entidades em assumirem uma posição de referência no BES indicia que é realizável uma solução privada para reforçar o capital. No limite, se necessário, está disponível a linha de recapitalização pública criada no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira,  que poderá ser utilizada para suportar qualquer necessidade de capital de um banco português, no enquadramento legal relevante e em aplicação das regras de ajuda estatal. Em todo o caso, a solvência do BES e a segurança dos fundos confiados ao banco estão asseguradas.". Quem assina este parágrafo é o Banco de Portugal, uma semana depois de a sua actuação ter sido elogiada pela múmia de Belém. Destaco dois parágrafos, mas realço que a solução de Domingo à noite já começava a ser desvendada aqui. Primeiro, o banco era tão solvente que no dia 4 de Agosto aconteceu o que aconteceu. Depois, podemo-nos perguntar sobre o paradeiro das diversas entidades com interesse em assumirem uma posição de referência no BES. Porque teria sido interessante que se chegassem à frente, antes de o dinheiro dos portugueses ser canalizado para outro banco privado. Se olharmos mais para trás, para o dia 3 de Julho, o mesmo Banco de Portugal dizia que "A situação de solvabilidade do BES é sólida, tendo sido significativamente reforçada com o recente aumento de capital. O Banco de Portugal tem vindo a adotar um conjunto de ações de supervisão, traduzidas em determinações específicas dirigidas à ESFG e ao BES, para evitar riscos de contágio ao banco resultantes do ramo não-financeiro do GES." (É só seguir a ligação anterior e procurar na página.) Ainda bem que era sólida, que faria se não fosse! 

Para não me alongar mais, remato com dois textos, um da autoria de Ferreira Fernandes e publicado no DN de 4 de Agosto e o segundo de Paulo Baldaia, publicado no mesmo espaço no dia 3 de Agosto, ainda antes da confirmação oficial da solução "banco bom, banco mau". Os destacados, em ambos, são da minha responsabilidade.



por FERREIRA FERNANDES

É matemático, chegam os dias de torreira de [A]gosto, a capital abafa e esvazia, e das agências de notícias só pingam frivolidades. É a silly season. A bem chamada estação parva, à falta de notícias há que inventá-las. Ontem, o Carlos Costa, o do Banco dos bancos, resolveu dar uma festa surpresa pela madrugada. Mas à banqueiro: pela madrugada quer dizer às 10.30 da noite e festa surpresa que já fora avisada por um paquete na noite anterior. O anfitrião ofereceu-nos um look arrojado, sobrancelhas em tons mate, contrastando com a cabeleira branca, quase à Lagarde. Era uma soirée à thème, o tema da festa era a crise e o salão decorado a preceito: só dois banquinhos. Um, com cartaz simples e elegante, dizendo Good Bank, e outro, despojado, com um post-it, dizendo Bad Bank. Como até na silly season as más notícias é que são as mais populares, passou-se a noite a olhar para o banquinho mau. Este estava dividido em dois: de um lado, um grupo de cavalheiros; do outro, o Tóino da Reboleira, com fato-macaco, de cujo bolso traseiro pendia um pacote de ações. "São quase uma centena!", proclamava o Tóino aos cavalheiros. Estes batiam-lhe nas costas e diziam: O senhor António é que devia ser o chefe disto, o responsável por nós todos! Não quer ser você a falar ao juiz Carlos Alexandre?" O Tóino começou por hesitar mas aceitou. Convenceram-no de que aquilo é que era ir a um aumento de capital.


por PAULO BALDAIA

Já ninguém está preocupado com a família Espírito Santo e poucos são os que se preocupam com o Governo, os partidos que o apoiam e o regulador. A todos podemos substituir, mas a pancada que volta a sobrar para os portugueses vai doer muito mais do que é possível imaginar.

Esses portugueses são pequenos accionistas, trabalhadores de empresas que acabarão por falir, que dependem de um sistema bancário que passa de bestial a besta e de uma economia que dava sinais de recuperação e que ameaça entrar novamente em depressão. Por muito que a elite pense que sim, a necessidade de o Estado intervir para salvar um banco que julgávamos salvo não é o problema maior.

Este país não tem solução enquanto todos os poderes pactuarem com um sistema que favorece o enriquecimento ilícito, que julga na praça pública por ser incapaz de fazer justiça nos tribunais, que despreza a competência e aplaude o amiguísmo, que se mostra totalmente incapaz de promover a igualdade de oportunidades. Um sistema que recicla os donos disto tudo mas apenas para substituir uns pelos outros.

O capitalismo sem ética, a que aludiu o Papa Francisco como uma das principais chagas do mundo moderno, é que nos tem arrastado de desgraça em desgraça. Agora, que começávamos a pôr a cabeça fora de água, aproximando as nossas despesas das nossas receitas, podemos ter de começar todo o calvário de novo. O pior é que muita gente, muita gente mesmo, não tem como aguentar nova tragédia que obrigue o Governo a cobrar mais impostos, a banca a reter capital e as empresas a despedir.

Tudo isto é mau, muito mau mesmo, mas ainda não é o pior dos pesadelos. Imaginem que Ricardo Salgado, tocado pelas santas palavras do Bispo de Roma, resolve redimir-se do seu capital pecado e confessar o carácter diabólico que presidiu às suas relações nas últimas décadas. É que não há banco do regime sem regime, nem regime sem titulares do poder, nem corruptores sem corruptos. Nós sabemos como, entre as migalhas e os grandes banquetes, muita gente comeu à mesa do último banqueiro.

Se ele se confessa, o colapso que se abateu sobre a família Espírito Santo será de repercussões bem maiores, envolvendo outros banqueiros, empresários que foram apenas testas-de-ferro, milionários de toda a espécie, dezenas ou centenas de políticos, alguns jornalistas e magistrados... Não faço ideia se ficaria pedra sobre pedra e até imagino que esta catarse deixaria mais feridas do que curas, mas, pelo menos, viveríamos na verdade.

Deve ser porque vejo muita gente com medo que Ricardo Salgado conte tudo o que sabe que este pesadelo parece real. Ele, afinal, ainda tem muito poder. A destruição criativa continua nas mãos deste homem.

Tuesday, August 5, 2014

Banco Novo, Vida Velha - II

É certo e adquirido que nada se alterou nem vai alterar nos mercados e na forma como estes são regulados. Nada de fundo no fundo... Sejamos francos a crise, ou as crises, em que vivemos desde 2007 serviu para se aprender muita coisa, mas nunca para se fazer nada que beneficie o comum do cidadão. Aliás, torna-se incrível os contorcionismos, ao nível de contorcionistas de circo, que muitos comentadores fazem para justificar o sistema em que vivemos.

Quanto a mim recuo sempre ao ano de 2006. Nesse ano, em animada conversa com um amigo adepto do mercado desregulado ele explicou-me muito bem as orientações de quem assim pensa: "é tudo privado e quando der buraco o Estado paga." Pode ser chocante, mas é ao mesmo tempo preciso e exacto.

Acho estranho que, face a tantos apelos à tranquilidade que o Coelhinho e a Múmia de Belém fizeram ninguém tenha corrido a limpar as contas no BES. Se eu lá tivesse conta era o que teria feito ao primeiro apelo à calma, quanto mais depois de uma semana de apelos! Quer dizer, se as coisas estavam bem, porquê a necessidade premente de o frisar quase bidiariamente? Como se veio a verificar as coisas não estavam bem e o que ambos disseram não passaram de (mais) aldrabices. 

Agora, o mesmo (des)governo que prometeu tudo e o seu contrário e que, nas palavras de uns, foi contra todas as promessas eleitorais assegura que os contribuintes não vão pagar o buraco do BES. Nisto tem o apoio do Banco de Portugal, o que, a julgar pelos elogios à sua actuação recente, dá uma credibilidade extra à coisa.

Por partes. É discutível que não tenham cumprido nenhuma promessa eleitoral, para isso gostava de ver o programa rebatido ponto a ponto, mas por outro lado, que as acções do Primeiro-Ministro não correspondem às palavras de campanha isso é verídico e basta procurar no Youtube.

Quanto a quem custeará a nova vida do BES, é óbvio que é o contribuinte. Aliás, de tanto ser o contribuinte quem acreditar numa só negação dessa realidade é porque está a tomar chá com o Chapeleiro Louco e com a Alice, no País das Maravilhas. Para isso basta ver a forma Como o Estado vai injetar 4 mil milhões sem nacionalizar o BES (publicado no site do Expresso na sexta-feira dia 1 de Agosto). Como se diz no artigo, "Lendo agora de baixo para cima, percebe-se que são os contribuintes que vão capitalizar o BES: o Estado deve dinheiro à troika que vai financiar o Fundo de Resolução, que por sua vez capitaliza o BES. Formalmente, não é uma nacionalização, uma vez que o Estado não fica com ações do BES." 

Por uma questão de conforto, apesar de recomendar a leitura do artigo, abaixo coloco os três passos descritos no artigo, pela ordem inversa que são apresentados:

3) O Estado empresta dinheiro ao Fundo de Resolução, recorrendo à linha de capitalização da troika para a banca, de que restam ainda 6,4 mil milhões de euros. Sendo emprestado pela troika, este dinheiro é dívida pública, pelo que será pago por contribuintes.

2) O "BES bom" será capitalizado pelo Fundo de Resolução, um fundo que a maioria dos portugueses desconhece, participado por todos os bancos do sistema. Como o Fundo de Reestruturação só tem 182 milhões de euros, precisa de mais.

1) Separa-se o "BES bom" do "BES mau". Os ativos tóxicos ficam no "BES mau", que fica a ser gerido ao longo do tempo de modo a minorar os prejuízos.

Ou então, vejamos a análise de Pedro Tadeu no DN de 5 Agosto, do qual se destaca o grau de confiança que se pode ter no regulador:

Quando domingo passado ouvi Carlos Costa dizer que os capitais do Novo Banco que substitui o BES "não incluem fundos públicos", vêm do Fundo de Resolução que "resultava das contribuições iniciais e periódicas das instituições financeiras e das receitas provenientes da contribuição que incide sobre o setor bancário", imaginei que estava perante uma operação semelhante à de J.P. Morgan no princípio do século passado: a banca organizava-se para se salvar. Era bonito... Mas a frase seguinte do governador do Banco de Portugal tirou-me as cândidas ilusões: "O Fundo teve de contrair um empréstimo temporário junto do Estado português."

Os bancos portugueses, afinal, entram com um duodécimo (repito, um duodécimo) do valor necessário para salvar o BES "bom" e, possivelmente, todo o sistema financeiro português: uns ridículos 380 milhões de euros. O resto dos 4900 milhões vêm do Estado através do tal "empréstimo temporário"(haverá empréstimos não temporários?!) que o contribuinte paga, direta ou indiretamente, à troika. Digamos antes que é uma "nacionalização temporária".
Quando ouvi Carlos Costa dizer que esta operação "não terá qualquer custo para o erário público, nem para os contribuintes", ouvi uma falsidade, pois ninguém pode, neste momento, assegurar esse saldo final. Há, só, essa esperança...

Mas o banco central também assegurava a 11 de julho que "não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao BES" e ainda na sexta--feira comunicava que "estão reunidas as condições necessárias à continuidade da atividade desenvolvida" pelo BES.

Para quem ainda não está plenamente convencido, veja-se o bonito trecho retirado do blog financeiro do Guardian, na segunda-feira dia 4 de Agosto:



Como é evidente é o contribuinte, aquele que tem andado a pagar empréstimo e juros da troika através de austeridade sem fim, quem suportará isto. Salvo erro o governador do Banco de Portugal não disse nada sobre como decorrerá este empréstimo do Estado à banca. Isso só se soube ontem, dia 4, com a Ministra das Finanças a assegurar novamente que não há riscos para o contribuinte. Claramente não há motivos para desconfiar de tanta segurança... Nem sequer por em Portugal sabermos como normalmente estas operações que não prejudicam o contribuinte decorrem. Basta olhar para o BPN para percebermos!

Também o BPN foi dividido em activos bons e maus, com os bons a terem de ser vendidos depressa para ressarcir o contribuinte. Foi tão célere a venda que, depois de um valor entre os nove mil e os doze mil milhões de euros de dinheiro estatal (alguma vez saberemos quanto custou realmente o BPN?), a parte boa foi vendida por quarenta milhões a uma sociedade de amigos do Dias Loureiro (pessoa que nunca esteve no Governo com ilustres como Cavaco ou Oliveira e Costa e nem sequer pode ser a eles associado), com o Estado assumir ainda as despesas decorrentes dos despedimentos que a "reestruturação" inevitavelmente traria. Ora para quem não percebe muito de números é assim: o Estado meteu lá, na melhor das hipóteses, 9 000 000 000 euros e vendeu por 40 000 000. Basta contar os zeros para perceber quem ficou a arder. Ou basta ver todas as medidas "extraordinárias" que temos sofrido. Por uma questão de paralelismo convém relembrar que também o BPN começou com "apenas" quatro mil milhões de euros de dinheiros públicos. O BES já vai nos seis mil e ainda não passou uma semana sobre a "solução".

Com eleições presidenciais e legislativas para o ano ainda vamos ouvir muitas vezes que não há custos para o contribuinte. Um proto-candidato, o escorregadio cherne-fugitivo já por aí anda a falar sobre "uma pipa de massa". Quanto ao (des)Governo, a única ténue esperança para o contribuinte é mesmo essa acalmia até às eleições. Desde a derrota nas eleições para o Parlamento Europeu que parece que vivemos na terra do leitinho com mel da coligação. O Governo até já promete devolver o que tirou, com grande pompa de novidade, e medidas para aumentar a natalidade, mas  tudo devidamente seguidas da ressalva de "ainda temos de fazer contas". Quem for no canto da serpente merece as dores de daí advirão. Só lamento pelos outros que têm de comer por tabela.

Monday, August 4, 2014

Banco Novo, Vida Velha - I

Em dia de surgir um banco novo na cena bancária portuguesa, muito se tem comentado sobre como o velho banco chegou onde chegou. Não vale a pena preocumarmo-nos com isso. Nada de fundo muda com este novo banco. O sistema bancário não levou nenhuma volta, nem em Portugal nem no mundo. Enquanto o paradigma não mudar todas estas operações são cosmética e limitam-se a empurrar com a barriga o próximo buraco. Nem sequer a solução é inovadora. A separação em "banco bom, banco mau" foi feita com o BPN. O lixo tóxico continua no Estado, a parte boa foi vendido a um banco dos amigos por um valor irrisório (e alegadamente havia quem oferecesse mais...).

Como se questionava e bem Mariana Mortágua, nas sua coluna no Expresso, no dia 1 de Agosto, foi Ricardo Salgado o último banqueiro? Senão vejamos a lista dela:

"Jorge Jardim Gonçalves era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal. 
(...)
José Oliveira e Costa era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
(...)
João Rendeiro era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
Em [M]aio deste ano Joaquim Goes recebia o prémio carreira atribuido pela Universidade Católica pelo reconhecimento da "sua excecional carreira profissional na área de gestão". No discurso, o premiado recordou João Paulo II, apelou à "solidadariedade desinteressada" do Papa Francisco, e agradeceu aos seus antigos chefes e mentores, Ricardo Salgado e Goes Ferreira. Mais ou menos pela mesma altura, o BES realiza uma operação de aumento de capital, subscrita a 178%, descrita pela comunicação social como um sucesso.
Há dias, Joaquim Goes foi suspenso do cargo de administrador do BES pelo Banco de Portugal. No mesmo processo, é detido o homem que três meses antes tinha homenageado, Ricardo Salgado, acusado de burla e branqueamento de capitais.
(...)
Ricardo Salgado é, hoje, o último banqueiro que é preciso julgar para que o sistema bancário possa, finalmente, voltar ao normal."

No seu romance póstumo, O Leopardo (Il Gattopardo, no original em italiano), Giuseppe Tomasi di Lampedusa diz-nos, pela voz de Tancredi, que "se desejamos que tudo fique na mesma, tudo tem de mudar"("Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi." no original em italiano). A aristocracia bancária, e não me limito aqui à portuguesa, partilha da mesma visão dos aristocratas sicilianos. Quantos mais "últimos banqueiros" terão de haver, quantos mais bancos partidos em "banco bom, banco mau" para que algo mude de facto? Nem se trata aqui de nenhuma bravata. Os Estados Unidos da Grande Depressão fizeram-no, separaram o que era banca especulativa daquela que era a banca comercial, a do típico depósito de poupanças. Ora, ver agora tantos opositores dessa medida a aplaudirem a separação em "banco bom, banco mau", aliás a venderem-na como uma óptima solução, se não fosse trágico (pelos seus efeitos) seria cómico. Para se perceber como nada de novo vem daí, basta ler o verídico remate de Mariana Mortágua:

"Fora da academia, desde o início da crise financeira que governos, Comissão e Conselho Europeus, parlamentos, e bancos centrais foram céleres a aprovar novas regras orçamentais, novos mecanismos de austeridade e, até, novas formas de regulação. As medidas que realmente importam - o fim dos offshores e paraísos fiscais, a separação entre a banca de investimento e a banca comercial ou a erradicação de produtos altamente especulativos - ficaram na gaveta."