Monday, March 31, 2014

Tanta gente a querer trabalhar e temos de ler isto.

Henrique Raposo é uma figura com a qual só concordo no benfiquismo. Em tudo o resto é uma personagem pouco ou nada recomendável. Mesmo quando diz coisas acertadas, faz questão de lhes juntar umas barbaridades valentes, tão típicas do portuguezinho que fez um estágio "lá fora" e que quando chega acha que isto é tudo dele. Acho que também já passei por isso, mas depois cresci.

Do texto que publicou no seu blog no Expresso e que se intitula "Um rapaz de 17 já pode trabalhar, um homem de 50 ainda pode recomeçar", ele vai do ajuízado de considerar que "diabolizámos o ensino profissional que dava a chave do mercado de trabalho a jovens de 17 anos que queriam começar cedo a vida adulta" para logo de seguida começar a dissertar que "Em 2012, cerca de 55% dos reformados da função pública tinha menos de 60 anos".

Ora, o que está em causa para o Heinrich (ele gaba-se de ter sido assim tratado num estágio que fez na Alemanha) é que "[Repare-se] na concepção de sociedade que estava aqui em cima da mesa: apenas 30 anos de trabalho entre os 25 e os 55 e a ideia de que a reforma tinha de chegar cedo.". Sejamos gentis para com o Heinrich. Alguém com 55 em 2012 foi nascido no ano de 1957 e celebrou o seu 17º aniversário nesse ano maldito, para os henriquinhos, de 1974. Eu vou acreditar que na grande maioria não estamos a falar de licenciados. Arrisco mais. Se calhar quando chegaram aos 25, que para o raposeta são o paradigma de início da vida no nosso contexto de sociedade, já levavam uns anos de descontos em cima. Se tiver mais de 55 e menos de 60, e sendo homem, andava a fazer turismo à conta do Estado. Ou assim os Heinrichs devem encarar aquela passeata da Guerra Colonial...

Um dos nossos dramas, enquanto sociedade, é precisamente como colocamos certos valores ao serviço dos mercados, essa besta mitológica do século XXI, mas que ronda pelo menos desde o XIX. No caso, a tendência de nos tratarmos como uma mercadoria. Será chocante que alguém que trabalhe 30 anos queira usufruir de 30 anos de reforma? Será sequer considerar isto um crime de lesa pátria? O que é a reforma? Será apenas o aguardar da morte? Será que devemos indexar a idade da reforma à esperança de vida apenas para premiar os que pela sua saúde, e quiçá uma profissão menos desgastante, conseguem passar essa barreira? Seremos a partir do momento em que saímos da escola, apenas mais uma matéria prima, porquinhos mealheiros sem direitos e só deveres? Esta revolta toda é o quê, inveja? E nesse ponto, inveja de quê? Não seria muito melhor querermos ser iguais pela positiva, pelo permitir que todos possam usufruir de 30 anos de reforma depois de 30 anos de trabalho? 

No final, caros Heinrichs desta vida, esses desempregados de 50 anos, que passam 3 anos a subsídio porque ninguém os quer e que depois se desdobram para pagar contas, não são vítimas do odiado Estado (que é o mesmo que dizer de todos nós). Eles trabalham e trabalharam muito mais do que vocês algum dia o fizeram ou farão. Eles querem de facto recomeçar, mas não do zero. Não têm, ou não deveriam de fazer! O que eles sofrem na pele é a visão dos vossos adorados Mercados, do privado, do lucro fácil e imediato que mais não vê nas pessoas do que meras matérias-primas, bens transacionáveis, macacos de apertar porcas, não seres pensantes, com uma história de vida e experiências acumuladas. Que lhes neguem isso acaba por não surpreender. Que ainda os culpem e os instiguem contra outros é no mínimo deplorável...

Wednesday, March 19, 2014

Que se lixem as eleições?

O nosso Querido Líder terá dito em certa ocasião "que se lixem as eleições". Como é seu apanágio, e acredito que em resposta ao descalabro eleitoral que foram as últimas autárquicas, tem-se comprometido em praticar o seu contrário. De que outra forma se explicam as notícias da última semana (pelo menos) que transformam Portugal numa espécie de Paraíso na Terra? Vejam lá que até a Führerin já disse que está disposta a ajudar Portugal na saída do programa de "auxílio" (e com a duração do mesmo a estender-se para lá de 2035 não sei se um par de aspas chegam). Outra coisa não tem ela feito senão ajudar-nos, mas com estas ajudas todas acabamos invariavelmente a dizer "com amigas destas..."

Quanto ao vice-Correia de Massamá, continua o belo caniche amestrado que sempre lhe reconhecemos, sem uma ideia digna desse nome. Ou pelo menos uma que se possa chamar de sua. Se nos tempos de Salazar quem mandava era o Presidente do Conselho e o Presidente da República não passava de uma figura ornamental, agora vivemos os tempos contrários. Em ambos os casos os resultados são adoráveis. Nunca a desigualdade foi tão grande desde esses tempos (pesem as palavras do Primeiro-Fantoche de que tudo o que têm feito é para a reduzir) e nunca a esperança de um progenitor de que a sua descendência tenha uma vida melhor foi tão baixa, desde esses tempos. Valerá mesmo a pena fazerem comissões sobre natalidade dias antes de anunciarem a redução dos descontos com depesas de escolaridade e de saúde? Histórias de gente que morre amarrada aos teares só não vão ser repetidas porque os teares já fugiram todos para outra parte do Mundo!

A única coisa triste é que ainda há quem coma disto. Bom, isso e o facto de a oposição apenas se chamar tal por não ter nenhum ministro. Não sei porque há quem peça consensos. Que outra coisa têm sido os últimos, vá lá, trinta anos, senão um enorme consenso, em que uma mão limpa sempre a outra? 

Nota final: o do Jardim Gonçalves já prescreveu e o Oliveira e Costa já requereu a prescrição do dele. Ah! Mais igualdade era impossível.

Tuesday, March 18, 2014

Palavras dos Outros: Crimeia: não nos tomem por parvos - Daniel Oliveira

Na íntegra o artigo de opinião de Daniel Oliveira de hoje. Partilho porque partilho da dualidade moral de quem defendeu o Kosovo e se opõe à Crimeia. Os destacados, esses são da minha autoria.

Crimeia: não nos tomem por parvos

Vou fazer aqui uma coisa que nunca fiz. Republicar, na íntegra, sem grandes comentários, um texto que escrevi no Expresso em papel. Data de 29 de dezembro de 2007. O título era "Novas fronteiras".
"Em 2008 vai abrir-se a Caixa de Pandora no Kosovo. A Sérvia, que viu a sua Jugoslávia repartida em seis estados, vai reagir contra os países europeus que reconhecerem mais esta independência. Num continente desenhado a sangue, de que os Balcãs são o mais trágico e recente exemplo, qual o critério que torna admissível que uma Nação passe a ser um Estado independente? Que argumento será dado ao País Basco, à Córsega ou à Escócia para não exigirem pelo menos referendos nacionais? Se, por vontade dos próprios países europeus, não há um acordo geral sobre as atuais fronteiras, que autoridade sobra? Se as ações do UÇK foram toleradas ou mesmo aplaudidas, por corresponderem a um combate 'patriótico', qual é o último argumento contra a ETA e a Armata Corsa?
Três possibilidades: ou, à semelhança do que aconteceu em África, a alteração das fronteiras é assunto tabu; ou está tudo em aberto e todas as reivindicações separatistas são legítimas; ou considera-se que o aprofundamento e alargamento da União Europeia permitem que as Nações sem Estado encontrem soluções originais de autonomia. O que não é aceitável é esta falta de critério. Ou melhor, este único critério: o que for mais conveniente em cada momento a cada potência europeia. Se é este o caminho não seria má ideia recordar como começaram as duas piores guerras do século XX."
Passados seis anos, leio declarações de Durão Barroso sobre uma possível independência da Escócia e o referendo na Crimeia. E comparo-as com a sua posição e a da maioria dos países da União sobre a o Kosovo e o papel ativo que, dentro da NATO, tiveram na sua independência. E concluo que o critério europeu se resume mesmo à última hipótese de que falei no meu texto: "o que for mais conveniente em cada momento a cada potência europeia".
Não é novidade e é um critério como outro qualquer. Só não venham com a conversa da Constituição ucraniana (a Sérvia também tem uma), que há mais de um mês ninguém parece, aliás, cumprir em Kiev; a integridade territorial de cada país europeu; ou os riscos para paz de mudanças de fronteiras. Falem de interesses estratégicos, económicos e militares. Dos alemães, dos norte-americanos e dos russos. Há coisas interessantes para dizer sobre esse assunto. Falem duma solução negociada com a Ucrânia e a Rússia e como pode a Europa ajudar a pacificar um conflito que passou os dois últimos anos a acicatar, estando agora a colher a tempestade dos ventos que ajudou a semear. Só não falem, por favor, de princípios, de legalidade e de direito internacional. Só não nos continuem a tomar por parvos.