Monday, April 14, 2014

Palavras dos Outros: Portugal é Fitch - Paulo Baldaia

O espaço de opinião do DN deu-me, no dia 13 de Abril, um autêntico festim de textos a partilhar. O segundo é de Paulo Baldaia e fala sobre a importância de Portugal estar em vias de, sair da "(co)notação" de lixo, aos olhos da agência Fitch.

Já agora, depois de tudo o que se soube (e o que se imagina) sobre o comportamento das agências de notação, agora voltaram a ser boazinhas e de confiança?

Em Portugal há muita teoria sobre o que não aconteceu mas podia ter acontecido. Com tanto dom de oratória e de escrita podemos viver com paz social no meio da mais grave crise em muitas décadas. Estamos permanentemente em psicanálise uns com os outros.

Portugal é fixe. Tem sol, boas estradas e soberba quanto baste para estar permanentemente a dar lições de moral aos outros. Nós é que sabemos o que é a vida e como ela se gere. Acresce que temos um passado histórico, do tempo em que ligámos os oceanos e não do tempo democrático em que tivemos três resgates, porque esses trazem vergonha. Embora não nos falte capacidade para viver sem vergonha na cara.

Em Portugal é fixe ser do contra, porque se atrai legiões de fãs em tempo de crise e se ganham prémios de consolação pela arte de maldizer. Pelo contrário, reconhecer que algo corre bem serve apenas para ganhar mais um carimbo de vendido ao Governo. Para evitar carimbos, não vale a pena celebrar o olhar positivo com que nos passou a ver a agência de notação que ajuda a compor o título desta crónica.

A verdade é que Portugal começa a ser visto com outros olhos pela Fitch porque empobreceu, ao mesmo tempo que punha alguma ordem nas contas públicas e criava condições para voltar a ter crescimento económico e diminuir o peso da dívida. Portugal é fitch porque a agência se preocupa apenas com rácios de dívida e condições de pagamento, mas a história seria outra se na avaliação da Fitch entrasse o desenvolvimento social.

Um país que precisa da proximidade de eleições para discutir o aumento de um salário mínimo de 485 euros (mais baixo em termos reais do que em 1974) não merece um olhar positivo de quem quer que seja. É um país que, além de aceitar a inevitabilidade da existência de pobres por não terem emprego, aceita que mesmo quem trabalha pode viver na pobreza.

A Fitch não se importa, muitos políticos também não e a maioria dos que vivem a dizer mal do Governo (deste, do que passou e do que vier) nem sequer fazem ideia do que estamos a falar. Está tudo alinhado com a Fitch. Regresse o crescimento económico, o consumo interno, o crédito e a rambóia dos subsídios para a classe média e os pobres voltarão para o esquecimento. Os pobres não têm direitos, só deveres. O dever de sobreviver para figurarem nas estatísticas.
Não se cumpre um dos princípios fundamentais da constituição. Artigo 9.º, alínea d): "[é tarefa fundamental do Estado] promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, (...) mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais".

Não se cumpre, ninguém se importa. Portugal é fitch.

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