Monday, July 19, 2010

Conta-me História(s): sobre inocência e indecência.

Ricardo Araújo Pereira começa uma das suas crónicas na revista Visão do seguinte modo:

"'A História repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa'. Aqui está mais uma frase de Marx que demonstra o modo como, em certos aspectos, o seu pensamento está desactualizado ou incompleto." (in Boca do Inferno, 24 de Set de 2009)

Continua depois, referindo-se ao Watergate português, que de resto foi muito mais útil para humoristas do que para jornalistas.

O motivo deste início prende-se com o imenso barulho que tem surgido a propósito de uma revisão Constitucional há muito desejada por alguns sectores da sociedade, em particular aqueles que vivem à custa da exploração dos outros e que não são aquilo a que se pode chamar de inocente no actual cenário de crise económica.

Uma revisão atenta de alguns episódios históricos chama-nos a atenção para o facto de, em momentos de crise acentuada e falta de pão na boca, seguir a primeira pílula dourada pode, a longo prazo, ter consequências que não só nos prejudicam, como podem mesmo envergonhar-nos.

Certamente que quem, no nascimento desta nossa centenária República, andou a louvar os heróis da mesma, não contava que esses heróis depressa se perdessem em tricas e questiúnculas. A verdade é que ainda a República não era uma adolescente e já os militares marchavam de Braga, a 28 de Maio de 1926, para porem o país na ordem, dando início à Ditadura Militar que só acabaria com a instauração (oficial...) do Estado Novo, com a Constituição de 1933.

1933 foi de resto um ano muito bom para os povos em crise. Numa Alemanha de rastos e humilhada, como resultado do acordado em Versalhes, um jovem político de ascendência austríaca é nomeado Chanceler alemão, após uma votação deveras favorável do seu partido. O jovem chamava-se Adolf Hitler, e o seu partido era o Nacional-Socialista, Nazi para os amigos!

No entanto em 1933 também aconteceram algumas desgraças. Em particular o New Deal do presidente Roosevelt. Uma consulta rápida aos meus apontamentos do nono ano revela qualquer coisa como uma aposta em grande obras públicas, controle de preços e parece que diminuição do horário de trabalho e da idade da reforma, parece que como forma de criar mais emprego. Na mesma América, uns anos antes, havia um fulano que como forma de aumentar a sua fortuna pessoal, deu aumentos ao seu pessoal e investiu na sua especialização. Parece que se chamava Ford e o seu apelido nunca terá sido associado à marca de calhambeques que produzia.

Os perigos que se abatem sobre Portugal nos próximos anos não são novos. A humanidade já passou por eles. Nós já passámos por eles e esse é o primeiro sintoma de que algo está profundamente errado.

Já no plano das curas, temos internamente a tentativa de limpar da Constituição todo aquele lixo dos tempos em que a esquerda se preocupava mais com 'quem vai aos bolsos a quem' (por oposição com o actual 'quem dorme com quem', para não mencionar aqui actos sodomitas...). Lixo como o direito à saúde, à educação e até a alguma justiça, ou a necessidade de equilíbrio político (em abono da verdade, a queda de um Governo implica a queda de um Parlamento e um acto eleitoral) A curiosidade é que isso nos deixaria ao nível social da América onde se iniciou a actual crise (e a de 1929 também!), com um sistema social ainda mais precário do que o do Portugal de 1933, mas com um presidente (do Conselho dirão algumas vozes...) com poderes equivalentes. Pedro Passos Coelho defende estas propostas, resta saber se os portugueses, que graças a Sócrates podem saltar o nono ano, vão na cantiga...

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