Friday, June 10, 2011

Vae Victis, que no fundo somos todos nós.

 Esta semana foi feita de digestão. Essencialmente de digestão dos resultados eleitorais. Essa digestão foi lenta, árdua e ainda provoca alguma azia. Ou será melhor dizer, algumas azias, não provocadas no entanto pelos resultados, esperados, do escrutínio de dia 5.

 O momento é de acção e tem sido acção aquilo que temos visto. Simplesmente, como nos tem mostrado a Bélgica, por vezes não inventar é melhor do que estar sempre a estrebuchar. Dos derrotados não reza a história, mas ou muito me engano ou ainda vamos andar uns meses a ouvir dizer que "Sócrates deixou isto muito pior do que pensávamos" e outras desculpas parecidas, onde só muda o nome do culpado, que servem fundamentalmente para explicar porque, depois de enfiados os dedos, se começa a escarafunchar.

 Sócrates sai evidentemente derrotado e, contrariamente ao que se costuma fazer em política, nem sequer fez por o disfarçar. Claro que a derrota era por demais evidente para se tentar tapar com uma peneira. Não só não conseguiu o impossível (se o partido mais representado na Assembleia da República), como não conseguiu o único objectivo real que restava ao PS, impedir que PPD e CDS tivessem a maioria de deputados. No entanto o PS não é o maior derrotado da noite. De certa forma, o que aconteceu ao PS era esperado: o atrito da governação nos últimos anos era de tal forma grande que só depois da certidão de óbito ser assinada é que os abutres se aproximaram. Ou para quem não percebe bem, só depois de consumada a derrota é que apareceram os candidatos à substituição.

 Ora se o PS não foi o grande derrotado, só resta, em abono da verdade, uma força política para carregar essa medalha. Qualquer força política que se veja reduzida a metade, tem de ser uma força política derrotada. Quando essa força está no lado do espectro sem influência nas leis que vão sair nos próximos anos, então a derrota é ainda maior. Costumo dizer no meu círculo mais intímo que, politicamente, o Bloco apenas existe enquanto foco de direitos para os homossexuais e "drogas para todos", tudo o resto é fogo de vista. Com as vitórias acumuladas ao longo dos anos (despenalização do consumo de drogas e mais recentemente o alargamento do casamento a casais homossexuais) genuinamente ao Bloco apenas lhe restava a luta pela adopção, algo que dificilmente entrará num top 6 (porque seis são os partidos com assento parlamentar) das preocupações do eleitorado. Seguidamente, há uma sucessão de erros de pontaria e colagens ao PS, que não devem ficar muito longe de hara-kiri político. Quando até na semana anterior ao sufrágio, uma das principais apoiantes do BE vem a público dizer que Passos Coelho é melhor líder que Louçã, tudo o resto será apenas barulho de fundo...

 Os mais pessimistas podem no entanto incorporar ainda os cidadãos portugueses como os realmente derrotados no Domingo dia 5 de Junho. A nossa tendência para o masoquismo vem de longe e esta votação não traduz nada de novo nesse campo. No período mais escuro da nossa história recente, 45% (quase metade) dos eleitores não exerceram o seu direito. O facto de eu encarar o voto como um dever e portanto algo mais que um direito, por vezes tolda-me o espírito na avaliação deste aspecto. É o meu dever para quem ao longo da história lutou, sofreu e, em alguns casos, pagou com a vida o direito ao voto para todos. Não é um dever de esquerda, meio, direita, cima, baixo... É um dever de quem vive numa sociedade livre. Se alguém procura um bom motivo para sair de casa e fazer 1 de 16 escolhas (um de 14 partidos, voto branco ou voto nulo), olhe para quem enfrenta tanques e armas no Bahrein, para os que saíram à rua na Tunísia ou no Egipto, para os chineses presos em casa ou desaparecidos. Sim, liberdade também é poder não votar, mas tem de haver um sentido maior de viver em sociedade. Falta de escolha não seria certamente: 14 movimentos foram a votos, desses 5 têm assento no parlamento. 

 A grande crise em Portugal não será tanto económica como de valores ou mesmo de confiança, mas se a económica se resolve com dinheiro, as outras só podem mudar com os portugueses. Quando estes perceberem que a primeira se torna menos dolorosa, quando resolverem as segundas, então podemos começar a falar como país desenvolvido. Até lá, alguns oásis no Sahara são capazes de ter camelos mais civilizados...

No comments:

Post a Comment