Thursday, August 15, 2013

As irrevogáveis palavras dos nossos carrascos. 2/3

Se um regime republicano não precisa de ser necessariamente democrático, daí que o comportamento de Papá Aníbal não mereça mais do que repúdio, já as palavras da segunda figura do Estado, pela natureza do órgão a que preside, merecem algo mais. Sei que o Palácio de São Bento não é tratado oficialmente como a casa da Democracia, e que em tempos o partido único se reunia para sessões de conversa, mas havendo um sentimento que neste momento aquele palácio é algo de diferente do clube de debate da união nacional, seria bom que quem preside aos debates que aí decorrem, tivesse mais tento na língua, ou no mínimo que pensasse um bocadinho no que diz e a quem o diz.

A pobre reformada (desde os 42 anos) que preside às reuniões que aí decorrem ficou muito incomodada com a população que se manifestava nas galerias (alguns pela suas reformas e o tempo que tiveram de descontar para as ter), perturbando os trabalhos. Vai daí, à costumeira ordem de evacuar as galerias, cumprida de forma pacífica por manifestantes e autoridades, acrescentou um citação de Simone de Beauvoir ("Não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus costumes").

A conversa da madame, que antecede a citação, já não era nada famosa, dando a entender que por se manifestarem em demasia, os cidadãos poderiam perder o direito a aceder às galerias, donde podem ver os seus representantes a representarem-nos (e deixo aqui em aberto a quem se referem os pronomes). Comparar o mesmos cidadãos, que os elegeram "para não ter medo" (palavras da madame), a carrascos, mesmo ignorando que os carrascos de Beauvoir eram nazis, fica um bocado mal, para não dizer que é descabido.

O descabimento ocorre de várias formas. Em primeiro lugar, é descabido porque como se pode ver pela propaganda televisiva estival, o nosso de jure ainda pode ir para a sua praia predilecta sem correr o risco que lhe atirem uma alforreca, uma cuspidela (já o de facto alegadamente não podia dizer o mesmo) ou mesmo um calhau. Aliás, de acordo com a propaganda, até há quem saúde entusiaticamente o de jure. Nenhum dos membros do actual governo tem problemas de maior, e mesmo episódios como o cerco ao Parlamento, de tempos não muito distantes, constituem mais matéria para livros de história e relatos de outras paragens. Cenas como a de Madrid ou Atenas estão longe de ser comparadas com os arrufos de pedras em S. Bento, ou com as grandoladas e assobiadelas. Estranhos carrascos estes...

Por outro lado, a acrescentar ao descabimento, há o ficar mal. Quando se vê a forma como ao longo dos tempos, gente como ela usou e abusou das leis que naquela casa se vota(ra)m (no caso dos reformaos, quantos têm uma reforma de 5000 euros, aos 42 anos de idade, com apenas dez anos de serviço, por exemplo) fica a questão de quem tem explorado quem e quem abusa de quem.

Há no entanto uma interpretação que poucos fizeram. A madame estava no fundo a dirigir-se aos deputados querendo falar para aqueles que eles representam! Penso ser essa a interpretação correcta, porque a irrevogáveis palavras da segunda figura do Estados caíram no esquecimento mais depressa do que um dinossauro autárquico do PSD concorre a uma câmara de um concelho adjacente (com mais uma vez uma lei a protegê-lo)!

Os carrascos de Beauvoir estavam perfeitamente identificados. Sabendo nós da natureza do que se passa na "Casa da Democracia", estaria a madame de S. Bento a falar para as galerias ou para o hemiciclo?

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