Tuesday, August 5, 2014

Banco Novo, Vida Velha - II

É certo e adquirido que nada se alterou nem vai alterar nos mercados e na forma como estes são regulados. Nada de fundo no fundo... Sejamos francos a crise, ou as crises, em que vivemos desde 2007 serviu para se aprender muita coisa, mas nunca para se fazer nada que beneficie o comum do cidadão. Aliás, torna-se incrível os contorcionismos, ao nível de contorcionistas de circo, que muitos comentadores fazem para justificar o sistema em que vivemos.

Quanto a mim recuo sempre ao ano de 2006. Nesse ano, em animada conversa com um amigo adepto do mercado desregulado ele explicou-me muito bem as orientações de quem assim pensa: "é tudo privado e quando der buraco o Estado paga." Pode ser chocante, mas é ao mesmo tempo preciso e exacto.

Acho estranho que, face a tantos apelos à tranquilidade que o Coelhinho e a Múmia de Belém fizeram ninguém tenha corrido a limpar as contas no BES. Se eu lá tivesse conta era o que teria feito ao primeiro apelo à calma, quanto mais depois de uma semana de apelos! Quer dizer, se as coisas estavam bem, porquê a necessidade premente de o frisar quase bidiariamente? Como se veio a verificar as coisas não estavam bem e o que ambos disseram não passaram de (mais) aldrabices. 

Agora, o mesmo (des)governo que prometeu tudo e o seu contrário e que, nas palavras de uns, foi contra todas as promessas eleitorais assegura que os contribuintes não vão pagar o buraco do BES. Nisto tem o apoio do Banco de Portugal, o que, a julgar pelos elogios à sua actuação recente, dá uma credibilidade extra à coisa.

Por partes. É discutível que não tenham cumprido nenhuma promessa eleitoral, para isso gostava de ver o programa rebatido ponto a ponto, mas por outro lado, que as acções do Primeiro-Ministro não correspondem às palavras de campanha isso é verídico e basta procurar no Youtube.

Quanto a quem custeará a nova vida do BES, é óbvio que é o contribuinte. Aliás, de tanto ser o contribuinte quem acreditar numa só negação dessa realidade é porque está a tomar chá com o Chapeleiro Louco e com a Alice, no País das Maravilhas. Para isso basta ver a forma Como o Estado vai injetar 4 mil milhões sem nacionalizar o BES (publicado no site do Expresso na sexta-feira dia 1 de Agosto). Como se diz no artigo, "Lendo agora de baixo para cima, percebe-se que são os contribuintes que vão capitalizar o BES: o Estado deve dinheiro à troika que vai financiar o Fundo de Resolução, que por sua vez capitaliza o BES. Formalmente, não é uma nacionalização, uma vez que o Estado não fica com ações do BES." 

Por uma questão de conforto, apesar de recomendar a leitura do artigo, abaixo coloco os três passos descritos no artigo, pela ordem inversa que são apresentados:

3) O Estado empresta dinheiro ao Fundo de Resolução, recorrendo à linha de capitalização da troika para a banca, de que restam ainda 6,4 mil milhões de euros. Sendo emprestado pela troika, este dinheiro é dívida pública, pelo que será pago por contribuintes.

2) O "BES bom" será capitalizado pelo Fundo de Resolução, um fundo que a maioria dos portugueses desconhece, participado por todos os bancos do sistema. Como o Fundo de Reestruturação só tem 182 milhões de euros, precisa de mais.

1) Separa-se o "BES bom" do "BES mau". Os ativos tóxicos ficam no "BES mau", que fica a ser gerido ao longo do tempo de modo a minorar os prejuízos.

Ou então, vejamos a análise de Pedro Tadeu no DN de 5 Agosto, do qual se destaca o grau de confiança que se pode ter no regulador:

Quando domingo passado ouvi Carlos Costa dizer que os capitais do Novo Banco que substitui o BES "não incluem fundos públicos", vêm do Fundo de Resolução que "resultava das contribuições iniciais e periódicas das instituições financeiras e das receitas provenientes da contribuição que incide sobre o setor bancário", imaginei que estava perante uma operação semelhante à de J.P. Morgan no princípio do século passado: a banca organizava-se para se salvar. Era bonito... Mas a frase seguinte do governador do Banco de Portugal tirou-me as cândidas ilusões: "O Fundo teve de contrair um empréstimo temporário junto do Estado português."

Os bancos portugueses, afinal, entram com um duodécimo (repito, um duodécimo) do valor necessário para salvar o BES "bom" e, possivelmente, todo o sistema financeiro português: uns ridículos 380 milhões de euros. O resto dos 4900 milhões vêm do Estado através do tal "empréstimo temporário"(haverá empréstimos não temporários?!) que o contribuinte paga, direta ou indiretamente, à troika. Digamos antes que é uma "nacionalização temporária".
Quando ouvi Carlos Costa dizer que esta operação "não terá qualquer custo para o erário público, nem para os contribuintes", ouvi uma falsidade, pois ninguém pode, neste momento, assegurar esse saldo final. Há, só, essa esperança...

Mas o banco central também assegurava a 11 de julho que "não existem motivos que comprometam a segurança dos fundos confiados ao BES" e ainda na sexta--feira comunicava que "estão reunidas as condições necessárias à continuidade da atividade desenvolvida" pelo BES.

Para quem ainda não está plenamente convencido, veja-se o bonito trecho retirado do blog financeiro do Guardian, na segunda-feira dia 4 de Agosto:



Como é evidente é o contribuinte, aquele que tem andado a pagar empréstimo e juros da troika através de austeridade sem fim, quem suportará isto. Salvo erro o governador do Banco de Portugal não disse nada sobre como decorrerá este empréstimo do Estado à banca. Isso só se soube ontem, dia 4, com a Ministra das Finanças a assegurar novamente que não há riscos para o contribuinte. Claramente não há motivos para desconfiar de tanta segurança... Nem sequer por em Portugal sabermos como normalmente estas operações que não prejudicam o contribuinte decorrem. Basta olhar para o BPN para percebermos!

Também o BPN foi dividido em activos bons e maus, com os bons a terem de ser vendidos depressa para ressarcir o contribuinte. Foi tão célere a venda que, depois de um valor entre os nove mil e os doze mil milhões de euros de dinheiro estatal (alguma vez saberemos quanto custou realmente o BPN?), a parte boa foi vendida por quarenta milhões a uma sociedade de amigos do Dias Loureiro (pessoa que nunca esteve no Governo com ilustres como Cavaco ou Oliveira e Costa e nem sequer pode ser a eles associado), com o Estado assumir ainda as despesas decorrentes dos despedimentos que a "reestruturação" inevitavelmente traria. Ora para quem não percebe muito de números é assim: o Estado meteu lá, na melhor das hipóteses, 9 000 000 000 euros e vendeu por 40 000 000. Basta contar os zeros para perceber quem ficou a arder. Ou basta ver todas as medidas "extraordinárias" que temos sofrido. Por uma questão de paralelismo convém relembrar que também o BPN começou com "apenas" quatro mil milhões de euros de dinheiros públicos. O BES já vai nos seis mil e ainda não passou uma semana sobre a "solução".

Com eleições presidenciais e legislativas para o ano ainda vamos ouvir muitas vezes que não há custos para o contribuinte. Um proto-candidato, o escorregadio cherne-fugitivo já por aí anda a falar sobre "uma pipa de massa". Quanto ao (des)Governo, a única ténue esperança para o contribuinte é mesmo essa acalmia até às eleições. Desde a derrota nas eleições para o Parlamento Europeu que parece que vivemos na terra do leitinho com mel da coligação. O Governo até já promete devolver o que tirou, com grande pompa de novidade, e medidas para aumentar a natalidade, mas  tudo devidamente seguidas da ressalva de "ainda temos de fazer contas". Quem for no canto da serpente merece as dores de daí advirão. Só lamento pelos outros que têm de comer por tabela.

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