Wednesday, August 6, 2014

Banco Novo, Vida Velha - III

Tendo abordado quem paga a conta no anterior comentário, agora falta saber quem pagará pelo que foi feito. Um buraco como o que o BES apresentou no primeiro semestre, não se cava em seis meses. Nem sequer em seis anos! Leva tempo. Pior do que levar tempo, envolve muita gente. Como escreve Paulo Baldaia, em texto que transcrevo na íntegra abaixo, "não há banco do regime sem regime (...) nem corruptores sem corruptos".

O que pensar então de quem, no dia 29 de Julho, menos de uma semana antes da cisão em "banco bom, banco mau", dizia que "caso venha efetivamente a verificar-se qualquer insuficiência da atual almofada de capital, o interesse demonstrado por diversas entidades em assumirem uma posição de referência no BES indicia que é realizável uma solução privada para reforçar o capital. No limite, se necessário, está disponível a linha de recapitalização pública criada no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira,  que poderá ser utilizada para suportar qualquer necessidade de capital de um banco português, no enquadramento legal relevante e em aplicação das regras de ajuda estatal. Em todo o caso, a solvência do BES e a segurança dos fundos confiados ao banco estão asseguradas.". Quem assina este parágrafo é o Banco de Portugal, uma semana depois de a sua actuação ter sido elogiada pela múmia de Belém. Destaco dois parágrafos, mas realço que a solução de Domingo à noite já começava a ser desvendada aqui. Primeiro, o banco era tão solvente que no dia 4 de Agosto aconteceu o que aconteceu. Depois, podemo-nos perguntar sobre o paradeiro das diversas entidades com interesse em assumirem uma posição de referência no BES. Porque teria sido interessante que se chegassem à frente, antes de o dinheiro dos portugueses ser canalizado para outro banco privado. Se olharmos mais para trás, para o dia 3 de Julho, o mesmo Banco de Portugal dizia que "A situação de solvabilidade do BES é sólida, tendo sido significativamente reforçada com o recente aumento de capital. O Banco de Portugal tem vindo a adotar um conjunto de ações de supervisão, traduzidas em determinações específicas dirigidas à ESFG e ao BES, para evitar riscos de contágio ao banco resultantes do ramo não-financeiro do GES." (É só seguir a ligação anterior e procurar na página.) Ainda bem que era sólida, que faria se não fosse! 

Para não me alongar mais, remato com dois textos, um da autoria de Ferreira Fernandes e publicado no DN de 4 de Agosto e o segundo de Paulo Baldaia, publicado no mesmo espaço no dia 3 de Agosto, ainda antes da confirmação oficial da solução "banco bom, banco mau". Os destacados, em ambos, são da minha responsabilidade.



por FERREIRA FERNANDES

É matemático, chegam os dias de torreira de [A]gosto, a capital abafa e esvazia, e das agências de notícias só pingam frivolidades. É a silly season. A bem chamada estação parva, à falta de notícias há que inventá-las. Ontem, o Carlos Costa, o do Banco dos bancos, resolveu dar uma festa surpresa pela madrugada. Mas à banqueiro: pela madrugada quer dizer às 10.30 da noite e festa surpresa que já fora avisada por um paquete na noite anterior. O anfitrião ofereceu-nos um look arrojado, sobrancelhas em tons mate, contrastando com a cabeleira branca, quase à Lagarde. Era uma soirée à thème, o tema da festa era a crise e o salão decorado a preceito: só dois banquinhos. Um, com cartaz simples e elegante, dizendo Good Bank, e outro, despojado, com um post-it, dizendo Bad Bank. Como até na silly season as más notícias é que são as mais populares, passou-se a noite a olhar para o banquinho mau. Este estava dividido em dois: de um lado, um grupo de cavalheiros; do outro, o Tóino da Reboleira, com fato-macaco, de cujo bolso traseiro pendia um pacote de ações. "São quase uma centena!", proclamava o Tóino aos cavalheiros. Estes batiam-lhe nas costas e diziam: O senhor António é que devia ser o chefe disto, o responsável por nós todos! Não quer ser você a falar ao juiz Carlos Alexandre?" O Tóino começou por hesitar mas aceitou. Convenceram-no de que aquilo é que era ir a um aumento de capital.


por PAULO BALDAIA

Já ninguém está preocupado com a família Espírito Santo e poucos são os que se preocupam com o Governo, os partidos que o apoiam e o regulador. A todos podemos substituir, mas a pancada que volta a sobrar para os portugueses vai doer muito mais do que é possível imaginar.

Esses portugueses são pequenos accionistas, trabalhadores de empresas que acabarão por falir, que dependem de um sistema bancário que passa de bestial a besta e de uma economia que dava sinais de recuperação e que ameaça entrar novamente em depressão. Por muito que a elite pense que sim, a necessidade de o Estado intervir para salvar um banco que julgávamos salvo não é o problema maior.

Este país não tem solução enquanto todos os poderes pactuarem com um sistema que favorece o enriquecimento ilícito, que julga na praça pública por ser incapaz de fazer justiça nos tribunais, que despreza a competência e aplaude o amiguísmo, que se mostra totalmente incapaz de promover a igualdade de oportunidades. Um sistema que recicla os donos disto tudo mas apenas para substituir uns pelos outros.

O capitalismo sem ética, a que aludiu o Papa Francisco como uma das principais chagas do mundo moderno, é que nos tem arrastado de desgraça em desgraça. Agora, que começávamos a pôr a cabeça fora de água, aproximando as nossas despesas das nossas receitas, podemos ter de começar todo o calvário de novo. O pior é que muita gente, muita gente mesmo, não tem como aguentar nova tragédia que obrigue o Governo a cobrar mais impostos, a banca a reter capital e as empresas a despedir.

Tudo isto é mau, muito mau mesmo, mas ainda não é o pior dos pesadelos. Imaginem que Ricardo Salgado, tocado pelas santas palavras do Bispo de Roma, resolve redimir-se do seu capital pecado e confessar o carácter diabólico que presidiu às suas relações nas últimas décadas. É que não há banco do regime sem regime, nem regime sem titulares do poder, nem corruptores sem corruptos. Nós sabemos como, entre as migalhas e os grandes banquetes, muita gente comeu à mesa do último banqueiro.

Se ele se confessa, o colapso que se abateu sobre a família Espírito Santo será de repercussões bem maiores, envolvendo outros banqueiros, empresários que foram apenas testas-de-ferro, milionários de toda a espécie, dezenas ou centenas de políticos, alguns jornalistas e magistrados... Não faço ideia se ficaria pedra sobre pedra e até imagino que esta catarse deixaria mais feridas do que curas, mas, pelo menos, viveríamos na verdade.

Deve ser porque vejo muita gente com medo que Ricardo Salgado conte tudo o que sabe que este pesadelo parece real. Ele, afinal, ainda tem muito poder. A destruição criativa continua nas mãos deste homem.

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