Monday, August 4, 2014

Banco Novo, Vida Velha - I

Em dia de surgir um banco novo na cena bancária portuguesa, muito se tem comentado sobre como o velho banco chegou onde chegou. Não vale a pena preocumarmo-nos com isso. Nada de fundo muda com este novo banco. O sistema bancário não levou nenhuma volta, nem em Portugal nem no mundo. Enquanto o paradigma não mudar todas estas operações são cosmética e limitam-se a empurrar com a barriga o próximo buraco. Nem sequer a solução é inovadora. A separação em "banco bom, banco mau" foi feita com o BPN. O lixo tóxico continua no Estado, a parte boa foi vendido a um banco dos amigos por um valor irrisório (e alegadamente havia quem oferecesse mais...).

Como se questionava e bem Mariana Mortágua, nas sua coluna no Expresso, no dia 1 de Agosto, foi Ricardo Salgado o último banqueiro? Senão vejamos a lista dela:

"Jorge Jardim Gonçalves era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal. 
(...)
José Oliveira e Costa era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
(...)
João Rendeiro era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
Em [M]aio deste ano Joaquim Goes recebia o prémio carreira atribuido pela Universidade Católica pelo reconhecimento da "sua excecional carreira profissional na área de gestão". No discurso, o premiado recordou João Paulo II, apelou à "solidadariedade desinteressada" do Papa Francisco, e agradeceu aos seus antigos chefes e mentores, Ricardo Salgado e Goes Ferreira. Mais ou menos pela mesma altura, o BES realiza uma operação de aumento de capital, subscrita a 178%, descrita pela comunicação social como um sucesso.
Há dias, Joaquim Goes foi suspenso do cargo de administrador do BES pelo Banco de Portugal. No mesmo processo, é detido o homem que três meses antes tinha homenageado, Ricardo Salgado, acusado de burla e branqueamento de capitais.
(...)
Ricardo Salgado é, hoje, o último banqueiro que é preciso julgar para que o sistema bancário possa, finalmente, voltar ao normal."

No seu romance póstumo, O Leopardo (Il Gattopardo, no original em italiano), Giuseppe Tomasi di Lampedusa diz-nos, pela voz de Tancredi, que "se desejamos que tudo fique na mesma, tudo tem de mudar"("Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi." no original em italiano). A aristocracia bancária, e não me limito aqui à portuguesa, partilha da mesma visão dos aristocratas sicilianos. Quantos mais "últimos banqueiros" terão de haver, quantos mais bancos partidos em "banco bom, banco mau" para que algo mude de facto? Nem se trata aqui de nenhuma bravata. Os Estados Unidos da Grande Depressão fizeram-no, separaram o que era banca especulativa daquela que era a banca comercial, a do típico depósito de poupanças. Ora, ver agora tantos opositores dessa medida a aplaudirem a separação em "banco bom, banco mau", aliás a venderem-na como uma óptima solução, se não fosse trágico (pelos seus efeitos) seria cómico. Para se perceber como nada de novo vem daí, basta ler o verídico remate de Mariana Mortágua:

"Fora da academia, desde o início da crise financeira que governos, Comissão e Conselho Europeus, parlamentos, e bancos centrais foram céleres a aprovar novas regras orçamentais, novos mecanismos de austeridade e, até, novas formas de regulação. As medidas que realmente importam - o fim dos offshores e paraísos fiscais, a separação entre a banca de investimento e a banca comercial ou a erradicação de produtos altamente especulativos - ficaram na gaveta."

No comments:

Post a Comment